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CLÓVIS ROSSI
O sermão invertido
BUENOS AIRES - A rivalidade
Brasil/Argentina atravessou mais
de um século, da independência dos
dois países até os governos José
Sarney (1985/1990) e Raúl Alfonsín
(1983/1989), que, sensata e sabiamente, começaram a sepultar disputas tão tolas.
Para sorte dos dois países, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e
Néstor Kirchner só fizeram aprofundar o relacionamento bilateral,
depois de um início complicado,
quando a Argentina chegou a dar
um calote (de apenas horas) no
Fundo Monetário Internacional e o
Brasil se fez de morto.
Ontem, a mulher de Néstor, Cristina, a nova presidente, colheu com
Lula os frutos dessa sabedoria acumulada ao assinarem o mais suculento pacote de acordos na história
dos dois países (e, suspeito, na história de acordos similares do Brasil
com outros países).
Há pouco daquela retórica caudalosa e em geral vazia que caracteriza
documentos emitidos ao sul do
Equador. Ao contrário, há projetos
específicos, com cronogramas concretos, nas mais diferentes áreas, da
nuclear à livre movimentação de
pessoas, da militar à desdolarização
do comércio.
Essa formatação permite cobranças que já poderão ser feitas quando
Cristina Fernández de Kirchner for
ao Brasil, como convidada de honra
do Sete de Setembro, e ficar para
uma nova cúpula com Lula, no dia
seguinte.
Sei que há muito choro e ranger
de dentes em relação à prioridade
dada no governo Lula ao relacionamento com o sul. Mas a aproximação permitiu aos dois presidentes,
ontem, um ironia formidável: a declaração conjunta ressalta "a contribuição positiva das economias
emergentes para a preservação da
solidez do sistema econômico
mundial" e pede que os países ricos
"adotem medidas regulatórias e
providências voltadas à mitigação e
prevenção de novos episódios de
volatilidade financeira".
crossi@uol.com.br
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