São Paulo, terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

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MARCOS NOBRE

Laranja diplomático

HÁ DOIS PROBLEMAS planetários centrais na pauta do século 21. Nos dois casos, tudo começou muito mal. A questão ambiental regrediu pelo menos uma década com o fracasso da conferência de Copenhague e a desmoralização científica do chamado "Climagate". E o programa nuclear do Irã pode enterrar as poucas e ainda tímidas iniciativas por um desarmamento global.
O atual governo do Irã está diante de uma crise de legitimidade sem precedentes desde a revolução de 1979. As eleições de junho de 2009 apresentaram sérios indícios de fraude. E o país está diante de uma encruzilhada. A velha guarda do regime quer produzir -mesmo que à força- a velha unidade nacional de valores e de um modo de vida único e padronizado. E os frequentes protestos contra o governo não aceitam menos do que uma democratização do regime.
Além de reprimir como pode as manifestações pró-democracia, o governo do Irã está usando suas pretensões nucleares para tentar unificar artificialmente o país contra o inimigo externo. Para isso, empacota o urânio enriquecido como luta contra Israel e os Estados Unidos. É a famosa fraude baseada em fatos reais.
Se o Brasil continuar insistindo em se colocar como "mediador" nessa crise, só vai fazer papel de laranja. Vai contribuir com as forças mais reacionárias do Irã contra a democratização. E vai dar fôlego a um programa nuclear que pode produzir corrida armamentista e desequilíbrio bélico em escala mundial.
O Brasil está em um bom momento internacional. É dos poucos países relevantes que podem bater no peito e dizer que já saíram da crise. Dispõe de perspectivas muito boas para os próximos anos. E tem um presidente que é considerado um santo não só em vida como no exercício do mandato, o que é coisa raríssima.
Dentro dos limites de sua capacidade, a diplomacia brasileira deve aproveitar como puder esse bom momento, sem dúvida. Mas não em relação ao Irã, que já deu provas cabais de que não é um parceiro de negociação confiável. Basta lembrar que aplicou o golpe de dizer que o Brasil já tinha aceitado enriquecer o seu urânio. Isso não apenas era falso como também inviável, já que nem o próprio Brasil tem ainda autossuficiência nesse quesito.
É urgente unir todas as forças disponíveis pela eliminação de todo o arsenal nuclear existente, mesmo que seja em um plano de desarmamento de longo prazo. O Brasil não pode e não deve perder essa oportunidade de reafirmar uma política externa pacifista. E isso inclui, hoje, pressionar o Irã para que abra o seu programa nuclear à fiscalização internacional.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.



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