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MARCOS NOBRE
Laranja diplomático
HÁ DOIS PROBLEMAS planetários centrais na pauta do
século 21. Nos dois casos,
tudo começou muito mal. A questão ambiental regrediu pelo menos
uma década com o fracasso da conferência de Copenhague e a desmoralização científica do chamado
"Climagate". E o programa nuclear
do Irã pode enterrar as poucas e
ainda tímidas iniciativas por um
desarmamento global.
O atual governo do Irã está diante de uma crise de legitimidade
sem precedentes desde a revolução
de 1979. As eleições de junho de
2009 apresentaram sérios indícios
de fraude. E o país está diante de
uma encruzilhada. A velha guarda
do regime quer produzir -mesmo
que à força- a velha unidade nacional de valores e de um modo de
vida único e padronizado. E os frequentes protestos contra o governo não aceitam menos do que uma
democratização do regime.
Além de reprimir como pode as
manifestações pró-democracia, o
governo do Irã está usando suas
pretensões nucleares para tentar
unificar artificialmente o país contra o inimigo externo. Para isso,
empacota o urânio enriquecido como luta contra Israel e os Estados
Unidos. É a famosa fraude baseada
em fatos reais.
Se o Brasil continuar insistindo
em se colocar como "mediador"
nessa crise, só vai fazer papel de laranja. Vai contribuir com as forças
mais reacionárias do Irã contra a
democratização. E vai dar fôlego a
um programa nuclear que pode
produzir corrida armamentista e
desequilíbrio bélico em escala
mundial.
O Brasil está em um bom momento internacional. É dos poucos
países relevantes que podem bater
no peito e dizer que já saíram da
crise. Dispõe de perspectivas muito boas para os próximos anos. E
tem um presidente que é considerado um santo não só em vida como no exercício do mandato, o que
é coisa raríssima.
Dentro dos limites de sua capacidade, a diplomacia brasileira deve
aproveitar como puder esse bom
momento, sem dúvida. Mas não
em relação ao Irã, que já deu provas
cabais de que não é um parceiro de
negociação confiável. Basta lembrar que aplicou o golpe de dizer
que o Brasil já tinha aceitado enriquecer o seu urânio. Isso não
apenas era falso como também inviável, já que nem o próprio Brasil
tem ainda autossuficiência nesse
quesito.
É urgente unir todas as forças
disponíveis pela eliminação de todo o arsenal nuclear existente,
mesmo que seja em um plano de
desarmamento de longo prazo. O
Brasil não pode e não deve perder
essa oportunidade de reafirmar
uma política externa pacifista. E isso inclui, hoje, pressionar o Irã para que abra o seu programa nuclear
à fiscalização internacional.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras
nesta coluna.
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