São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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Ameaça grave

Desconfiança entre os bancos debilita sistema de crédito e aumenta os riscos de recessão profunda nos EUA

A TURBULÊNCIA financeira nos países ricos evoluiu para o início de uma crise bancária. A história econômica registra vários episódios de quebra de grandes bancos. Embora cada um tenha suas especificidades, esse tipo de crise sempre implica alto potencial destrutivo.
Como na crise associada à dívida externa dos países em desenvolvimento, no início dos anos 1980, o foco das dificuldades atuais reside na desconfiança entre os grandes bancos internacionais. A raiz do descrédito é a incerteza a respeito do grau em que cada instituição aplicou recursos na compra de títulos lastreados em operações de crédito habitacional de altíssimo risco, oriundas dos EUA. Os bancos relutam em emprestar dinheiro uns aos outros, com receio de que o devedor se revele, de súbito, inadimplente.
Essa é a razão pela qual as gigantescas injeções de dinheiro promovidas pelos bancos centrais não se mostram eficazes, nem mesmo acompanhadas de agressivos cortes na taxa de juros nos Estados Unidos. O capital é barato e abundante, mas não flui. Tal represamento, justamente no âmago do sistema de crédito, o mercado interbancário, ameaça reproduzir-se nos demais segmentos, criando uma secura de crédito capaz de provocar uma recessão brutal.
Não se trata de uma hipótese acadêmica. Alan Greenspan, ex-presidente do Fed (o banco central norte-americano), tem alertado que os EUA podem estar ingressando na sua mais grave crise do período posterior à Segunda Guerra Mundial. Deixa implícito, assim, que pode haver um paralelo com a Grande Depressão do século passado.
Reconhecer esse risco, no entanto, não é o mesmo que considerá-lo incontornável. O trauma dos anos 1930 propiciou doloroso aprendizado. As autoridades econômicas dispõem de muito mais instrumentos para tentar interromper o processo do que há 80 anos.
Além disso, os países menos desenvolvidos -tradicional "elo fraco" da cadeia de relações econômicas internacionais- ao longo dos últimos anos reduziram a vulnerabilidade de suas contas externas. Certamente estimulou esse movimento o trauma das sucessivas crises financeiras que vitimaram muitas dessas nações, com destaque óbvio para o Brasil, no final do século passado e no início do atual.
Não há como afirmar que esses aspectos bastarão para impedir um desfecho destrutivo da crise no plano global. Mas seria difícil negar que estão demonstradas as graves limitações do atual arcabouço de regulação do sistema financeiro internacional.
Após a crise dos anos 1980, as autoridades econômicas estabeleceram novas normas na tentativa de conferir mais solidez ao sistema bancário global. Permitiu-se, contudo, que os bancos transferissem riscos para fora dos seus balanços. Foram esses ramos imunes à supervisão, bem como os chamados "hedge funds" (fundos altamente especulativos), que estrelaram a rodada de supervalorização artificial de ativos que agora se esgota. O legado dessa farra ameaça gravemente a economia mundial.


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