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ALBA ZALUAR
Balas, só de doce
VOLTEI RECENTEMENTE de
Barcelona, cidade que me
impressionou pela beleza da
arquitetura e das obras de arte mas
principalmente pela identificação
que seus moradores têm com ela.
Artistas estão na rua, nos prédios,
nas obras de arte em cada canto
mais espaçoso. Mas quase não se
vêem estátuas de heróis. É uma cidade que preza a criatividade da
beleza feita pelos seus artistas. E,
na contramão dos fluxos predominantes da globalização, também
em cada canto eu ouvia música
brasileira. Até mesmo num desfile
da festa de um santo ritmistas tocavam no ritmo das escolas de
samba e cantavam "meu brasil brasileiro" em catalão, enquanto lançavam balas (de doce, é claro) na
platéia! Chama-se a "dolça festa".
Ora vejam só: a nossa música e o
nosso espírito brincalhão adocicam a vida de Barcelona, enquanto
aqui as balas, nada doces, matam.
Eis um de nossos muitos paradoxos: nas cidades brasileiras onde os
índices de criminalidade violenta
cresceram tanto, a vida social nas
vizinhanças já foi muito rica, tendo
criado times de futebol, escolas de
samba, grupos de maracatu, folias
etc. Hoje, essa sociabilidade da alegria vem sendo ameaçada pelo crime organizado e pelos grupos armados, que, com suas balas letais,
mudaram as regras de convivência
nas vizinhanças pobres. Os pobres
tinham então mais emprego e mais
transporte público na rede ferroviária, montada para servi-los,
além de policiamento feito pela
guarda civil.
Não se pode voltar ao passado,
mas pode-se tentar mudar o presente. Um modo de recuperar a
imagem das cidades para os próprios moradores e para o mundo
pode ser planejado para recuperar
a sociabilidade local. Isso exige que
o fluxo de armas e balas amargas
seja interrompido nas suas principais fontes: as quadrilhas de armeiros, a falta de controle de estoques
nas Polícias Militares estaduais e
nas Forças Armadas Brasileiras.
Além disso, mudar as regras do policiamento ostensivo e investigativo, não só trocando a prioridade da
repressão para a investigação mas
transformando os procedimentos
usados pelos policiais em suas atividades para assegurar o respeito
ao cidadão.
E vamos valorizar nas próprias
cidades aquilo que leva a boa imagem do Brasil ao exterior: usar a estética e fazer dos produtos efêmeros dos desfiles algo mais perene
para embelezá-las e homenagear
seus criadores. Isso daria mais empregos para os jovens desocupados
das áreas carentes em projeto de
integração, mas um que atinge a
raiz dos moradores das cidades onde surgiram vários gêneros musicais.
ALBA ZALUAR passa a escrever às segundas-feiras
nesta coluna.
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