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ANTONIO DELFIM NETTO
Prestar contas
A CADA DIA fica mais evidente que a "ciência econômica" assumiu, nas mãos de alguns dos nossos "cientistas", um
caráter de perversão religiosa.
Kant apontou quatro dessas perversões: 1) a teosofia que se utiliza
de conceitos metafísicos para confundir a razão ("produto potencial", "taxa natural de desemprego"); 2) a demonologia, que antropomorfiza o Ser Supremo (o Banco
Central); 3) a teurgia, a crença de
que o Ser Supremo possa se comunicar conosco (o Comitê de Política
Monetária - Copom) e 4) a idolatria, a crença de que não estaremos
em comunhão com o Ser Supremo
se não tivermos fé nas "leis" que ele
nos dita.
O símile é tão completo que chamam de "ortodoxo" o portador da
crença verdadeira. "Heterodoxo" é
todo o resto...
Para assegurar um bem público
essencial à coesão social e à eficiência do sistema produtivo, que é a
estabilidade do valor interno da
moeda, a sociedade impõe ao poder
incumbente (o governo passageiro
no comando do Estado permanente) limites para a sua ação no campo monetário, onde o oportunismo
eleitoral pode produzir profundos
estragos socioeconômicos. Não é
possível deixar de reconhecer, entretanto, que a autonomia do Banco Central, a quem é transferida
aquela tarefa, implica um evidente
déficit democrático.
O poder incumbente transitório,
escolhido nas urnas, cede (por decisão "preventiva") a missão de garantir a estabilidade do valor da
moeda a um grupo de indivíduos de
integridade e conhecimento comprovados, mas não-eleito. Fomos,
somos e provavelmente continuaremos a ser a favor de um Banco
Central autônomo, mas temos
imensa dificuldade de aceitar comportamentos idiossincráticos, supostamente suportados não por
evidências empíricas fortes, mas
pela perversão religiosa de um suposto conhecimento "científico"
inspirado na imoralidade ínsita no
DNA do sistema financeiro.
Diante das experiências recentes
(2004 e 2008), fica cada vez mais
claro que a sociedade (o Congresso
Nacional) tem que exigir satisfação
do corpo "não-eleito". Ele precisa
revelar em tempo hábil as razões
que informam suas decisões, porque elas influem no PIB e no emprego. Não de forma genérica, não
protegidos cada um pela irresponsabilidade dos outros (como nas
atas do Copom), mas por votos individuais explícitos, para que a sociedade possa convencer-se da
qualidade das decisões tomadas.
Isso é ainda mais necessário agora que o Copom é dominado por
um pensamento único que se pretende "científico".
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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