São Paulo, sexta, 23 de maio de 1997.



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A fala do príncipe

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Suponho que, do Oiapoque ao Chuí, a nação esteja soltando um enorme suspiro de alívio ao ficar sabendo, pela voz do presidente da República, que, "se houver algum membro do governo envolvido nesse episódio, será demitido".
O episódio a que o presidente se refere é o escândalo da compra de votos para a reeleição.
É claro que se trata da explicitação do óbvio. Sensacional mesmo seria o presidente da República afirmar o contrário -ou seja, que, mesmo que haja alguém do governo envolvido "nesse episódio", não será demitido.
Mas as coisas tomaram tal dimensão nos últimos 30 ou 40 dias que o presidente parece sentir-se compelido a dizer o óbvio e, apesar de ser óbvio, pontuá-lo com a ênfase de quem anuncia a última nova em física quântica.
Pena que lhe falte coerência. Só haveria uma maneira de verificar, de fato, se há ou não alguém do governo "envolvido nesse episódio": constituir uma CPI para investigar os fatos revelados pela Folha.
Mas, no mesmo discurso, o presidente louva o fato de o Congresso não ter paralisado a ação legislativa, "ao mesmo tempo em que cumpre o dever de apurar as denúncias".
Cumpre? Não é o que pensa o distinto público, conforme apurado em recentíssima pesquisa do Datafolha, que mostra escandalosa porcentagem a favor de uma CPI sobre a compra de votos, e não apenas uma burocrática comissão de sindicância.
Mas, entre o que pensa o público e a certeza do príncipe de que tudo não passa de "sanha dos adversários", vale a certeza do príncipe.
O presidente agradece, acima de tudo, o fato de o Senado ter aprovado, em primeiro turno, a emenda da reeleição. Claro que não está pensando nele, mas "na importância da continuidade da estabilidade política e econômica do Brasil".
Só faltou acrescentar, parafraseando madame Pompadour sobre Luís 15, "sans moi, le déluge".



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