São Paulo, sábado, 23 de maio de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O "novo Enem" democratiza o acesso ao ensino superior e induz melhorias no ensino médio?

NÃO

Quem se beneficia dessas alterações?

SANDRA ZÁKIA SOUSA e OCIMAR ALAVARSE

UMA DAS alterações que o Ministério da Educação (MEC) vem anunciando em relação ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é a sua utilização com o fim de selecionar, de modo unificado, os ingressantes das universidades públicas federais. A proposta se apresenta tendo como principais objetivos democratizar as oportunidades de acesso às vagas federais de ensino superior e induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio, provocando melhoria de sua qualidade. No caso das instituições federais, o que se espera é que ampliem o uso dos resultados do Enem no processo seletivo, integrando-os, com maior ou menor peso, na composição dos critérios de classificação dos candidatos. No caso das instituições não federais de ensino, estaduais ou privadas, como já ocorria, é optativo seu uso para fins de seleção de alunos.
Não nos esqueçamos, no entanto, de que o vestibular com caráter seletivo já deixou de existir em algumas instituições de ensino superior (IES), nas quais há mais vagas que candidatos para determinados cursos. Para as instituições que selecionam e que vierem a usar os resultados do Enem, não se identifica alteração de grande monta nos expedientes em curso: mantém-se o uso dos resultados de provas para classificar e selecionar alunos, como já acontece hoje.
Daí a indagação: a mudança proposta no Enem garante a consecução dos objetivos de democratização do acesso ao ensino superior e de indução de melhoria no ensino médio? Parece-nos que não. Quanto à democratização do acesso, não há evidências de que será alterado o perfil dos ingressantes no ensino superior. Tampouco se supõe que possa incidir, massivamente, na escola média.
Os estudos sobre perfil de ingressantes nas IES têm indicado que o nível socioeconômico dos vestibulandos é uma variável que tem muita influência nas suas possibilidades de ingresso, pois, usualmente, o nível socioeconômico do indivíduo viabiliza a frequência a uma escola básica de melhor qualidade, além de maior acesso aos bens culturais disponíveis. A proposta apresentada pelo MEC não altera essa realidade, pois, apesar de poder facilitar a participação de jovens em processos seletivos de instituições de ensino superior de todo o país, não viabiliza maior chance de ingresso na faculdade, já que não incide no perfil dos vestibulandos.
Além disso, lembramos que dados de edições anteriores do Enem evidenciam disparidade de desempenho dos alunos entre as regiões, mesmo quando são controladas as variáveis relativas ao nível socioeconômico. Portanto, a possibilidade de escolha nacional dará mais chances aos que já as têm. A seletividade social sob a aparente seletividade técnica pode se intensificar, ao favorecer o ingresso nas universidades públicas federais de alunos de maior poder aquisitivo e de regiões mais ricas do país. Ademais, os mesmos alunos que não têm suas chances objetivas aumentadas quanto ao ingresso em certos cursos ou instituições superiores são aqueles que, muito provavelmente, não teriam alterações nos currículos de suas escolas de ensino médio.
É de longa data, no Brasil, a capacidade que os vestibulares têm de influenciar o currículo de escolas. Mas isso não ocorre da mesma forma em todas elas. Embora não se possa generalizar o julgamento de escolas públicas e privadas, usualmente esse processo de alterações curriculares ocorre apenas num pequeno segmento, majoritariamente composto de escolas privadas. Na imensa maioria das escolas, inclusive pela percepção de alunos e de professores das chances objetivas de sucesso, o currículo não se pauta em processos seletivos e, por conseguinte, é menos suscetível aos impactos previstos pelo MEC.
Portanto, a despeito de as alterações no Enem serem apresentadas em nome da qualidade do ensino médio e da democratização do acesso ao ensino superior, tudo indica que não têm potencial de provocar mudanças nos currículos escolares e minorar o caráter seletivo dos vestibulares.


SANDRA ZÁKIA SOUSA, 56, pedagoga, doutora em educação, é professora da Faculdade de Educação da USP e vice-presidente da Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação).

OCIMAR ALAVARSE, 49, pedagogo, doutor em educação, é professor da Faculdade de Educação da USP.


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