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TENDÊNCIAS/DEBATES
O "novo Enem" democratiza o acesso ao ensino
superior e induz melhorias no ensino médio?
NÃO
Quem se beneficia dessas alterações?
SANDRA ZÁKIA SOUSA e OCIMAR ALAVARSE
UMA DAS alterações que o Ministério da Educação (MEC)
vem anunciando em relação
ao Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem) é a sua utilização com o fim
de selecionar, de modo unificado, os
ingressantes das universidades públicas federais. A proposta se apresenta
tendo como principais objetivos democratizar as oportunidades de acesso às vagas federais de ensino superior e induzir a reestruturação dos
currículos do ensino médio, provocando melhoria de sua qualidade.
No caso das instituições federais, o
que se espera é que ampliem o uso dos
resultados do Enem no processo seletivo, integrando-os, com maior ou
menor peso, na composição dos critérios de classificação dos candidatos.
No caso das instituições não federais
de ensino, estaduais ou privadas, como já ocorria, é optativo seu uso para
fins de seleção de alunos.
Não nos esqueçamos, no entanto,
de que o vestibular com caráter seletivo já deixou de existir em algumas
instituições de ensino superior (IES),
nas quais há mais vagas que candidatos para determinados cursos.
Para as instituições que selecionam
e que vierem a usar os resultados do
Enem, não se identifica alteração de
grande monta nos expedientes em
curso: mantém-se o uso dos resultados de provas para classificar e selecionar alunos, como já acontece hoje.
Daí a indagação: a mudança proposta no Enem garante a consecução
dos objetivos de democratização do
acesso ao ensino superior e de indução de melhoria no ensino médio?
Parece-nos que não. Quanto à democratização do acesso, não há evidências de que será alterado o perfil
dos ingressantes no ensino superior.
Tampouco se supõe que possa incidir,
massivamente, na escola média.
Os estudos sobre perfil de ingressantes nas IES têm indicado que o nível socioeconômico dos vestibulandos é uma variável que tem muita influência nas suas possibilidades de ingresso, pois, usualmente, o nível socioeconômico do indivíduo viabiliza a
frequência a uma escola básica de melhor qualidade, além de maior acesso
aos bens culturais disponíveis.
A proposta apresentada pelo MEC
não altera essa realidade, pois, apesar
de poder facilitar a participação de jovens em processos seletivos de instituições de ensino superior de todo o
país, não viabiliza maior chance de ingresso na faculdade, já que não incide
no perfil dos vestibulandos.
Além disso, lembramos que dados
de edições anteriores do Enem evidenciam disparidade de desempenho
dos alunos entre as regiões, mesmo
quando são controladas as variáveis
relativas ao nível socioeconômico.
Portanto, a possibilidade de escolha
nacional dará mais chances aos que já
as têm. A seletividade social sob a
aparente seletividade técnica pode se
intensificar, ao favorecer o ingresso
nas universidades públicas federais
de alunos de maior poder aquisitivo e
de regiões mais ricas do país.
Ademais, os mesmos alunos que
não têm suas chances objetivas aumentadas quanto ao ingresso em certos cursos ou instituições superiores
são aqueles que, muito provavelmente, não teriam alterações nos currículos de suas escolas de ensino médio.
É de longa data, no Brasil, a capacidade que os vestibulares têm de influenciar o currículo de escolas. Mas
isso não ocorre da mesma forma em
todas elas. Embora não se possa generalizar o julgamento de escolas públicas e privadas, usualmente esse processo de alterações curriculares ocorre apenas num pequeno segmento,
majoritariamente composto de escolas privadas.
Na imensa maioria das escolas, inclusive pela percepção de alunos e de
professores das chances objetivas de
sucesso, o currículo não se pauta em
processos seletivos e, por conseguinte, é menos suscetível aos impactos
previstos pelo MEC.
Portanto, a despeito de as alterações no Enem serem apresentadas
em nome da qualidade do ensino médio e da democratização do acesso ao
ensino superior, tudo indica que não
têm potencial de provocar mudanças
nos currículos escolares e minorar o
caráter seletivo dos vestibulares.
SANDRA ZÁKIA SOUSA, 56, pedagoga, doutora em educação, é professora da Faculdade de Educação da USP e vice-presidente da Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação).
OCIMAR ALAVARSE, 49, pedagogo, doutor em educação,
é professor da Faculdade de Educação da USP.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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