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CARLOS HEITOR CONY
A moça e o analista
RIO DE JANEIRO - Tinha 35 anos
de idade e oito de análise. Trocara
cinco vezes de analista por diferentes razões. Um deles só se alimentava com arroz integral e quis obrigá-la a tanto, outro deu em cima dela, e
ela deu em cima de um outro, que
não lhe de bola. Não era fiel aos analistas, mas fiel à instituição.
No início, era o pai que pagava as
sessões, por isso mesmo era nele
que ela descarregava 99% de seus
problemas. Aos 28 anos, descolou o
primeiro emprego (recepcionista
de uma companhia aérea) e fez
questão de cumprir a regra elementar da terapia: quem paga o pecado é
o pecador. Cortou cinema, só não
cortou as sessões de análise. Até
que, na altura do quinto analista,
topou com um que só ouvia canto
gregoriano e voava em asa-delta.
Uma noite, o analista convidou-a
a tomar alguma coisa em seu apartamento. Deslumbrada e a fim, ela
penetrou no apartamento onde havia uma enorme asa-delta em cima
de uma enorme cama. Não entendeu direito, mas o analista serviu-lhe uísque de 12 anos e botou para
tocar CDs incrementados com hinos litúrgicos gravados pelos monges da abadia de Solésmes.
Era dose. Ela confessou que estava apaixonada pelo analista, o qual
também declarou que estava a fim,
mas invocou a ética profissional:
havia um problema.
A moça, que havia superado todos os problemas com os analistas
pretéritos, quis saber qual era o grilo. O analista apontou a asa-delta
em cima da cama: é ela!
Assombrada, a moça perguntou
quem era "ela". O analista confessou que se apaixonara pela asa-delta, fazia amor com ela todas as noites. No dia em que a traísse, ela o
mataria numa tarde de verão, ali
mesmo, entre a praia do Pepino e a
pedra da Gávea. E ele morreria como morrem os amantes insaciados,
metade céu, metade mar.
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