São Paulo, segunda-feira, 23 de julho de 2007

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ALBA ZALUAR

Trancos e barrancos

SOCIÓLOGOS e economistas têm se debruçado sobre a confiança para entender como e porque sistemas econômicos melhoram seu funcionamento. Até mesmo a moeda não seria um instrumento de comunicação que transcende o tempo e o espaço não fora pela crença que os que a usam nela têm. No Brasil, só em meados dos anos 90 recuperou-se a confiança na moeda, quando os consumidores livraram-se dos trancos inflacionários.
Anthony Giddens, sociólogo inglês admirado pelos primeiros ministros de seu país, definiu a sociedade contemporânea como a ordenada por sistemas peritos: os sistemas de excelência técnica, de competência material que oferecem os profissionais especializados a quem os "leigos" recorrem cada vez mais. É essa autoridade da competência que conduz a aceitação de cada pessoa a utilizar seus serviços.
Um dos exemplos mais comumente lembrados dessa crença nos peritos é dada pela fé que passageiros depositam na cadeia dos que garantem o vôo seguro e bem terminado das aeronaves, mesmo sem conhecê-los ou mesmo vê-los. Sem essa confiança, não há como entrar na máquina voadora.
Claro que, diante de tantos desafios da alta tecnologia, é impensável que parentes, amigos, correligionários, asseclas e sócios venham a ocupar postos-chave em tais sistemas, aqueles em que as decisões estratégicas são tomadas. Superar as amarras do clientelismo hierárquico no Brasil não significa apenas impedir a paralisia do passado anti-republicano, mas a construção da crença nas instituições e organizações sem as quais não há previsibilidade nem segurança, nem desenvolvimento econômico.
Empresas buscam o lucro. Mas, se essa busca faz descuidar do objetivo prioritário de manter a segurança dos clientes, junto com o avião que cai, a confiança desaba.
E, com ela, os lucros e o desempenho empresarial descem o barranco, carregando a imagem do país no mundo dos negócios. Portanto, a caça ao lucro deve ter limites impostos pelo Estado que prevê os desastres provocados pela avidez.
Ainda mais quando a logística centralizada dos vôos de passageiros voltada para ter sempre cheios todos os aviões das empresas aéreas e usadas ao máximo todas as aeronaves disponíveis, destroem vidas, sonhos, encontros, compromissos, negócios.
Neste caso, não se pode dizer "função do Estado, dever de todos" como se afirma para a segurança pública. Os passageiros se entregam às companhias aéreas quando cruzam a porta da aeronave. Fica apenas o dever do Estado de limitar os excessos da caça ao lucro que pode terminar no apocalipse de uma explosão.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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