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CARLOS HEITOR CONY
Alhures, a desoras
RIO DE JANEIRO - Outro dia,
usei em crônica meio atrapalhada a
palavra "alhures". Juro perante
Deus que nos há de julgar que foi a
primeira vez em muitos anos de
crônica e só não foi a última porque
a estou usando outra vez neste texto em que dou uma explicação que
não me foi pedida.
Tive um amigo que quis processar Jacqueline Kennedy quando ela
se casou com o milionário grego
Onassis. Escreveu um livro sobre o
assunto e me pediu que o encaminhasse ao editor Ênio Silveira, da
antiga Civilização Brasileira. E
ameaçou: "Se ele não quiser publicar o meu livro, eu o publicarei
alhures!"
No momento, eu fiz um exame de
consciência (coisa rara em mim)
para saber se havia alguma editora
com esse nome: "Alhures". Telefonei para o Sindicato dos Editores e
Livreiros, lá o Alfredo Machado,
que era o presidente, disse que não,
era um nome muito complicado para qualquer editora.
Só então desconfiei do verdadeiro significado da palavra. Este emocionante lance de minha biografia
teve replay mais tarde, quando colaborava com JK na redação de suas
memórias. Ele narrava para mim
um episódio de sua vida, chegara
em casa cansado e a desoras. Eu entendi dez horas e foi assim que coloquei no texto final.
Fiel à sua autobiografia, JK me
corrigiu, dizendo que naquela noite
chegara em casa às 4h da madrugada, daí que perderia um compromisso para aquela manhã. Eu reclamei, alegando que ouvira ele dizer
"dez horas", mas só então percebi
que ele queria dizer "desoras"
-acho que qualquer hora depois da
meia-noite. Não disse nada, apenas
corrigi o texto, como me competia.
De maneira que alhures e desoras
(e algumas outras palavras que
evitarei citar) entraram no
meu modesto vocabulário por caminhos que não dignificam a minha
escolaridade.
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