São Paulo, sábado, 23 de julho de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

TENDÊNCIAS/DEBATES

A faxina nos Transportes pode abalar a relação de Dilma com a base governista?

SIM

O preço de uma coalizão desproporcional

CARLOS PEREIRA

A chave para entender a crise no Ministério dos Transportes, após a reportagem da revista "Veja" que denunciou esquema de pagamento de propina para membros do PR em troca de obras e contratos com o governo, é a decisão da presidente Dilma Rousseff de montar um governo de coalizão desproporcional.
Assim como tinha feito o presidente Lula, Dilma também decidiu concentrar poder do seu governo no seu partido, o PT, preferindo recompensar, assim, seus grupos e tendências internas.
Dilma alocou cerca de 46% (17) dos ministérios para membros do PT, apesar de o partido da presidente só deter menos de 27% (88) das cadeiras ocupadas pela sua coalizão na Câmara dos Deputados. Essa decisão gerou uma disparidade positiva de 18,95 em favor do PT -a medida de disparidade representa a diferença entre a porcentagem de gabinetes ocupados pelo partido menos a sua respectiva porcentagem de cadeiras na Câmara.
O principal parceiro político, o PMDB, com aproximadamente o mesmo peso político do PT na Câmara, 24,23% (79 cadeiras), possui apenas seis ministérios (cerca de 38%), gerando uma taxa de disparidade ministerial de 12,93 pontos.
Embora ainda tenha uma disparidade positiva, ela é consideravelmente inferior à do PT.
Com exceção do PT e do PMDB, todos os outros membros da coalizão do governo Dilma apresentam disparidades negativas na composição dos ministérios.
Ou seja, receberam menos ministérios do que seus respectivos pesos políticos. Chama a atenção, no entanto, que o PR, que contribui com cerca de 13% das cadeiras que dão sustentação ao governo na Câmara, ocupe apenas o Ministério dos Transportes.
Dessa forma, apresenta, junto com o PP, a maior taxa de disparidade negativa entre os partidos da coalizão do governo (-9,87).
A consequência direta dessa estratégia centralizadora e desbalanceada de gerência de coalizão do governo Dilma foi o desenvolvimento de crescentes insatisfações dos membros sub-representados no Poder Executivo.
É nesse contexto que o PR, por considerar que seu peso político não foi devidamente reconhecido no governo, buscou formas "heterodoxas" de recompensa, ao montar um esquema de corrupção no espaço reduzido que lhe coube, pois os corretivos tradicionais de "recompensa" (como execução de emendas individuais) não foram suficientes.
Considerando-se o incerto horizonte temporal dos partidos e dos políticos com sub-representação no governo, o PR usou as "armas que possuía". Ou seja, fez do Ministério dos Transportes o seu espaço de ganho e maximização de comportamento oportunista no curto prazo.
Seriam críveis as ameaças do PR de abandonar a coalizão de governo? Parece-me que não, mas as relações entre Dilma e sua base no Congresso podem ficar ainda mais abaladas diante de crise de confiança entre os membros da sua coalizão. Ainda existe o risco de que a causa do comportamento oportunista do PR também afete outros membros da coalizão.
Finalmente, o que se pode esperar da "faxina" que a presidente Dilma tenta agora implementar no Ministério dos Transportes?
Sem uma solução definitiva capaz de resolver os problemas advindos de um governo de coalizão monopolista, a faxina de Dilma pode estar correndo o risco de se tornar mais uma iniciativa de colocar a poeira debaixo do tapete.

CARLOS PEREIRA é professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas - Ebape/ FGV e "fellow" do Brookings Institute (EUA).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Marco Antonio Villa: Presidencialismo de transação

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.