|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
Ainda uma
vez adeus
Gonçalves Dias -o notável
poeta brasileiro- escreveu, com
o título acima, uma das páginas líricas
mais belas da nossa literatura -para
chorar a despedida do seu amor fracassado com a musa Ana Amélia. Mas
isso nada tem a ver com o nosso tema
de hoje, a não ser a maneira de manejar com o tempo.
A política lida com este com uma incompetência máxima. Não consegue
administrá-lo, utilizando-o de uma
maneira caótica e anárquica. Peguemos o exemplo do prazo no Parlamento. Ele não é o tempo disponível
para determinada tarefa, mas a data final em que tudo tem de ser feito às
pressas, com todos os riscos da imperfeição, do desleixo, dos erros.
Como exemplo, e este a regra, não a
exceção, passou o tempo necessário
para fazer a reforma eleitoral e não se
fez. O dia 30 de setembro é a data limite, prevista na Constituição, de um
ano antes da eleição, para alterar as regras eleitorais. Há um mês, o senador
Bornhausen, já no desespero de que
nada seria mudado, fez um projeto de
lei com modificações pontuais que deveriam ser adotadas para as eleições
de 2006 de modo a evitar-se os horrores do presente. Os políticos, desnorteados, para não ficar de braços cruzados, se reuniram no Senado e, por
unanimidade, aprovaram o projeto
que iria baixar o custo e limpar as eleições, hoje transformadas num espetáculo de luz e cores, shows e circos, com
toda a parafernália para mudar candidatos em sabonete, e não no gesto democrático da escolha dos dirigentes
do país. O debate de programas, a reflexão sobre o destino do país e os valores morais da vida pública cedem lugar às cenas grotescas de um mundo
cão, em que insultos e maquiagens
substituem o sério pelo banal.
Pois este projeto, um pequeno arremedo de emergência, destinado a ser
apenas um remendo, já que não tínhamos tempo de mudanças mais profundas, chegou à Câmara e ali não teve
tramitação. O tempo passou, o mês de
setembro está acabando e vamos ficar
do mesmo jeito e com as mesmas mazelas que atualmente caracterizam o
sistema eleitoral.
Estou perplexo com o esquecimento
nacional da causa de tudo o que estamos vivendo. Estamos ignorando ou
absolvendo com o perdão eterno de
todos os pecados o sistema político
eleitoral que criou os autores de tantas
mazelas que explodiram no caixa
dois, no "mensalão", no "mensalinho" e na promiscuidade entre o público e o privado.
Não é possível que não haja uma
reação, que fiquemos impassíveis, só
na retórica de punir culpados e apurar
denúncias, sem atacar as origens. O
maior culpado está escapando incólume aos olhos de todas as CPIs e dos
meios de comunicação. Há um soneto
célebre, atribuído a frei Antonio das
Chagas, pelos seiscentos, que diz o
quanto nós todos esquecemos o que
fazer com o nosso tempo. Eu o tenho
emoldurado na parede do meu escritório: "Não quis, tendo tempo, fazer
conta / Hoje quero fazer conta e não
há tempo". E conclui: "Cuidai enquanto é tempo em fazer conta".
Nós perdemos o "timing" e o prazo
de fazer o que de melhor podíamos
aproveitar da crise e não fizemos. Então vamos marchar para as novas eleições com a infidelidade partidária e os
partidos "barriga de aluguel".
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
@ - jose-sarney@uol.com.br
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Nelson Motta: Que elite é essa? Próximo Texto: Frases
Índice
|