São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

As raízes do ódio

PAUL SINGER

A onda de agressões contra o PT, veiculada por toda grande imprensa, é espantosa em sua violência, em sua unilateralidade e em sua cegueira. Toda culpa pela presumida corrupção na política brasileira é jogada sobre o partido e seu governo, sem qualquer contemplação do fato de que os indícios de corrupção atingem membros de quase todos os partidos, muitos indícios sendo referentes a fatos que se deram em governos anteriores.
Um exemplo parece-me que basta para apontar a parcialidade com que esse linchamento moral do PT está sendo conduzido. Quando se apresentou o relatório das duas CPIs apontando 18 nomes de parlamentares a serem eventualmente cassados, ficou clara a ausência do senador Eduardo Azeredo, nada menos que o presidente do principal partido da oposição, o PSDB. Note-se que, contra o senador, há provas materiais irrefutáveis de que, em 1998, ele se beneficiou de esquema de Marcos Valério, igual ao que foi usado por dirigentes e parlamentares do PT. Em compensação, o relatório incluiu o deputado José Dirceu, contra o qual há apenas acusações orais, e de figuras suspeitas.


Há provas de que Azeredo se beneficiou de Valério. Mas o relatório incluiu Dirceu, contra quem só há acusações orais


Na ocasião, a imprensa anotou o fato e reproduziu as explicações dadas pelos relatores. Desde então, a imprensa tem martelado os nomes, em geral com fotografias, dos 18 como réus comprovadamente culpados e que estão à espera da cassação certa e praticamente esqueceu que falta um réu na lista. Se a situação fosse outra e José Dirceu fosse o ausente da lista, é muito duvidoso que a falta fosse tão prontamente olvidada. O leitor precisa fazer um esforço de abstração dos vitupérios para poder perceber que se trata duma crise que envolve quase todo o mundo político, do qual o PT faz parte, mas não é o todo.
Mas de onde vem esse ódio? Possivelmente, de duas fontes diferentes. Há os que amavam o PT ou no mínimo o respeitavam, pelo que parecia ser a sua coerência, sua honestidade, sua transparência. A crise revelou que a aparência engana, que dirigentes do partido, em todos os níveis, se envolveram nas práticas que o PT combateu durante a maior parte de sua existência. Daí o pasmo, a frustração e o ódio, sobretudo de simpatizantes e de militantes que deixaram o PT ou foram expulsos dele. É o ódio dos que se percebem traídos e que estendem o seu desejo de vingança ao partido como um todo, embora seja evidente que muitos dirigentes e a maioria dos militantes não estavam envolvidos e nem cientes do esquema.
A outra fonte do ódio é ideológica, ela atinge os que sempre detestaram e temeram o PT pelo simples fato de ele ser de esquerda. São os que querem preservar a sociedade brasileira do jeito que ela é. Ou, no mínimo, repelem as mudanças que a esquerda sempre preconizou: redistribuição de renda, reforma agrária, renda mínima ou renda cidadã, impostos diretos redistributivos, orçamento participativo e assim por diante. São os cidadãos que querem acabar com "essa raça pelos próximos 30 anos".
Por outro lado, há muita gente no PT e ao redor do partido que não odeia o PT, que acha que a maioria dos petistas não se acumpliciou e nem tolera práticas políticas e financeiras francamente delinqüentes, o que torna viável e indispensável "refundá-lo". É natural que essas pessoas, entre as quais me incluo, reajam ao ódio dos que nos atacam indiscriminadamente. E que escolham como adversários não os ex-companheiros desiludidos e feridos, mas os direitistas, os que se identificariam como "anticomunistas" se estivéssemos ainda nos tempos da Guerra Fria.
É a eles que Marilena Chaui se referiu quando disse, no ato público do dia 12 passado: "Odeiam-nos porque o PT foi o principal construtor da democracia no Brasil". A frase tocou num ponto sensível dos que diariamente nos lincham pela imprensa, pois vários jornais chegaram a responder a Marilena em editorial. Discutir, como vários fizeram, se o PT foi ou não foi o principal construtor da democracia é completamente ocioso. Basta que inimigos da democracia ou desta democracia que hoje temos acreditem que o PT é o principal responsável por ela para que odeiem o partido e aproveitem o ensejo para dar livre curso a sua sanha.
Para evitar mal-entendidos: não estou dizendo que o linchamento do PT seja uma conspiração das elites. O partido mudou, adotou práticas inconfessáveis e por isso tem de ser refundado. Mas, entre os linchadores, há os que querem ajustar contas com o maior partido da esquerda para eliminá-lo do cenário político pelo menos por décadas. E há gente que responde a estes: "No pasarán!". E eu, modestamente, concordo. Se depender dos petistas que se reuniram para iniciar a refundação do PT, os desígnios deles não passarão mesmo.

Paul Singer, 73, economista, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).
@ - paul.singer@mte.gov.br



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