São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A poesia concreta do Rock in Rio

TONY BELLOTTO


Ninguém à época do primeiro festival, em 85, relacionaria o substantivo rock ao Rio; se havia um lugar rock'n'roll no Brasil, era São Paulo


Outra noite, num evento que reunia músicos que já participaram (ou estavam por participar) do Rock in Rio, cuja quarta edição brasileira começa hoje, alguém na plateia questionou o uso do termo rock para nomear um festival que anuncia em seu rol de atrações artistas como Ivete Sangalo, Shakira, Stevie Wonder e, sei lá, Elton John.
A pergunta mereceu inúmeras respostas, dentre as quais destacou-se a de Leo Jaime, um dos "ex-rockers in Rio" presentes: "Porque se dessem o nome de Pagode in Rio a um festival, seria o maior fracasso".
Houve outras, como a minha própria, um tanto professoral e indisfarçavelmente chapa-branca: "Porque o rock moderno, assim como o jazz, assimila um sem-número de influências e referências".
Entre ex, atuais e futuros participantes do Rock in Rio, a pergunta gerou controvérsia e respostas corrosivas. Branco Mello defendeu que nem sempre é preciso gostar de tudo e que é compreensível -e até saudável- que um moleque fã de heavy metal sinta engulhos ao saber que terá de aturar Claudia Leitte num festival que oferece Metallica como chamariz.
Andreas Kisser creditou a uma vaga e inofensiva "ansiedade metaleira" o fato de, com todo o respeito, Erasmo Carlos, Lobão e Carlinhos Brown terem sido vaiados impiedosamente em edições anteriores do festival, como se fossem duplas sertanejas ou cantores de ópera, e não genuínos representantes do melhor rock/pop brasileiro.
Uma das razões que explicam o sucesso desse empreendimento -porque, afinal, o Rock in Rio é mais do que um festival, uma marca, um franchising, uma grife, uma pirâmide ou um parque de diversões- é justamente a capacidade que têm essas três palavras, Rock in Rio, de significar ao mesmo tempo tantas coisas diferentes, muitas vezes antagônicas, sempre reveladoras.
O primeiro Rock in Rio, em 1985, tirou o Brasil de um limbo em que artistas internacionais em fim de carreira faziam uma rápida escala antes -ou durante- a aposentadoria. Seu maior atrativo desde o começo, quando o Brasil parecia não ter -e não tinha mesmo- a menor estrutura para receber um evento dessa magnitude, foi o transcendente poder do nome Rock in Rio.
Ninguém àquela época relacionaria o substantivo rock à cidade do Rio de Janeiro. Se havia um lugar rock'n'roll no Brasil, era São Paulo. O Rio era a terra do Carnaval, do samba, da praia e das mulatas fornidas e inzoneiras (seja lá o que signifiquem esses arcaicos adjetivos).
Ao criar um dos mais belos poemas concretos do Brasil contemporâneo -Rock in Rio-, o empresário Roberto Medina mudou a maneira como enxergávamos -e ouvíamos- a nós mesmos.
E, de quebra, forneceu uma resposta àquela esfinge pentelha que insistia em nos inquirir, impiedosa: "Mas afinal, quem são vocês?". "Nós somos isso", responderam as bandas brasileiras.
Mesmo sem cenários e um arsenal de fogos de artifício, elas provaram que o rock brasileiro não quer abafar ninguém, só deseja mostrar que faz barulho também (e segue fazendo-o ininterruptamente desde então, não importa quantos padres cantores, políticos tipo Brizola e bichos escrotos em geral queiram calar-lhe a boca).

TONY BELLOTTO é músico e escritor


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