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Colcha de retalhos
É preciso reformular a confusa legislação eleitoral do país, que cerceia a livre manifestação e contradiz direitos constitucionais
A legislação que regulamenta
as eleições no Brasil é uma colcha
de retalhos. Tem por base o Código Eleitoral de 1965, criado pelo
regime militar, ao qual se acrescentam determinações da Constituição Federal, da Lei das Eleições, de 1997, e de um extenso rol
de atos normativos.
Além da prolixidade desse conjunto de regras, é patente seu espírito de tutela sobre o eleitor, tratado como incapaz de distinguir os
seus interesses e carente de cuidados e proteções.
O bom senso já de início é atropelado quando se determina um
período "oficial" de campanha.
Antes de julho, não se permite aos
candidatos expressar o que ninguém mais ignora -o fato de estarem à caça de votos.
Mais grave é que muitas das restrições impostas pela legislação
-e pelas variadas interpretações
que dela faz a Justiça Eleitoral-
ferem o direito constitucional à liberdade de expressão.
Casos dessa contradição surgiram nas campanhas deste ano.
Lembre-se, por exemplo, a famigerada proibição a emissoras de
rádio e TV de "ridicularizar" candidatos, "bem como produzir ou
veicular programa com esse efeito" -medida que, até ser revogada na reta final do primeiro turno,
censurou a sátira política no país.
Na última semana, novos impedimentos foram determinados pela Justiça. Proibiu-se a distribuição de panfletos contrários ao PT e
a circulação de uma revista com
conteúdo favorável à candidata
Dilma Rousseff. Os impressos haviam sido encomendados pela
Diocese de Guarulhos, em um caso, e produzidos por entidade sindical, no outro.
A legislação veda "a partidos e
candidatos receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou
estimável em dinheiro" procedente de igrejas e sindicatos. O motivo
é que essas entidades -como outras citadas pela legislação- se
beneficiam de recursos públicos.
Como é notório, esse modelo de
financiamento cria uma zona cinzenta entre o Estado e as organizações da sociedade civil. No caso
dos sindicatos -que se sustentam
com a contribuição compulsória
de todo assalariado- a situação é
aberrante, tornando essas entidades uma presa fácil do aparelhamento político-partidário.
É disto, evidentemente, que se
trata no caso das publicações sindicais a favor de Dilma. Todavia,
não cabe ao Estado, agora por
meio do Poder Judiciário, sobrepor nova ingerência a um assunto
que diz respeito, essencialmente,
à relação entre os trabalhadores e
a direção de sua entidade.
Panfletos e revistas, embora
"estimáveis em dinheiro", para
usar os termos da lei que embasou
sua proibição, são meios pelos
quais sindicatos ou quaisquer outras entidades exercem seu direito
de manifestar opiniões.
Compreende-se e é pertinente o
intuito do legislador de evitar o
abuso econômico e assegurar condições equânimes na disputa. É
preciso porém reconhecer que
problemas inerentes à legislação,
muitas vezes agravados pelo desigual entendimento de juízes e tribunais, têm contribuído para cercear a expressão do pensamento.
Cumpre portanto reformar e
simplificar as normas que regulam as campanhas políticas, tarefa a que já se propõe o Congresso
Nacional, ao criar uma comissão
de reforma do Código Eleitoral,
que ainda dá os primeiros passos.
Assegurar a lisura do processo
eleitoral e garantir aos candidatos
um tratamento isonômico são objetivos que devem ser perseguidos
com mais sensatez, sem ofensa às
garantias constitucionais.
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