São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil deve mudar sua política cambial?

SIM

Articulação de políticas econômicas

MARIA ALEJANDRA CAPORALE MADI

"A moeda é nossa, o problema é de vocês". Barry Eichengreen, em "A Globalização do Capital", cita a frase de John Connally, secretário do Tesouro norte-americano, para sintetizar os impactos da gestão do dólar sobre a economia mundial após os anos 1970.
Nesse período, a liberalização financeira problematizou a manutenção do regime cambial fixo nas nações que organizaram sua política econômica em função da integração internacional.
No Brasil, após a crise asiática em 1998, a introdução do regime de câmbio flutuante representou resposta à impossibilidade de conjugar, simultaneamente, três condições: regime de câmbio fixo, autonomia da política monetária e mobilidade internacional de capitais.
A partir de julho de 1999, a política de estabilidade monetária assume a posição de protagonista na gestão macroeconômica, baseada no tripé metas de inflação, câmbio flutuante e superavit primário.
Sob o impacto da evolução da crise global de 2008, Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, destacou que a política de metas inflacionárias foi incapaz de enfrentar os desafios na gestão da crise.
A absorção de choques financeiros foi inviabilizada pela ausência de articulação entre a política financeira e as políticas macroeconômicas, assim como pela falta de coordenação entre as políticas monetária, cambial e fiscal.
Desse modo, são necessários mecanismos de intervenção cambial combinados aos de regulação financeira prudencial para atingir a estabilidade cambial.
Essas considerações levam a pensar nos desdobramentos da crise, no que diz respeito aos limites do crescimento econômico.
As desvalorizações do dólar e do yuan redefinem o fluxo de exportações de manufaturados no quadro internacional de desalinhamentos cambiais. No Brasil, apesar do expressivo volume de reservas internacionais e das possibilidades abertas pelo pré-sal, há preocupações com a deterioração da conta corrente e com os efeitos da apreciação do real sobre as exportações.
Pode-se considerar que a apreciação do real é fortemente condicionada pelo diferencial entre as taxas de juros internas e externas, o que favorece a atração de capital estrangeiro para a compra de títulos de renda fixa e de ativos na Bolsa de Valores.
Essa situação minimiza o espaço de manobra do Banco Central em decorrência da presença da especulação no cenário financeiro contemporâneo. Dessa forma, a mobilidade e a liquidez da riqueza financeira reforçam a apreciação cambial, com consequências decisivas na indústria manufatureira, que perde competitividade.
Pode-se então perguntar: é possível ter expectativas de crescimento econômico com inclusão social, mantida a política cambial vigente?
Não. Entende-se que é necessário o uso de medidas dirigidas à intervenção no mercado cambial que estejam articuladas a mecanismos de regulação financeira prudencial.
Assim, o Banco Central poderá conduzir a política cambial de modo a reduzir o impacto da especulação sobre a volatilidade e a ampliar os instrumentos para restringir a alavancagem em mercados futuros. Dessa forma, a estabilidade do câmbio torna-se objetivo do Banco Central, ao lado da estabilidade monetária.
Nesse sentido, é indispensável uma reconfiguração das políticas macroeconômicas e financeira, vinculada às diretrizes de uma política industrial que estimule fluxos de investimento, de produção e de exportações.
Como resultado, espera-se que essa redefinição de políticas alicerce uma taxa real de câmbio competitiva na economia global.


MARIA ALEJANDRA CAPORALE MADI, formada em ciências econômicas pela USP, é mestre e doutora em economia pela Unicamp, na qual é professora do Instituto de Economia.

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