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TENDÊNCIAS/DEBATES
A reforma da Previdência Social
FABIO GIAMBIAGI
O mais espantoso é que não há nada na proposta de reforma previdenciária que possa sequer remotamente ser julgado como drástico
NO FILME "Uma verdade inconveniente", produzido a
partir da catequese do ex-vice-presidente dos EUA acerca dos
efeitos de longo prazo da poluição sobre o clima, em determinado momento, Al Gore diz: "As futuras gerações
um dia se voltarão para nós e nos perguntarão: onde vocês estavam quando tudo isso acontecia? Por que vocês
não acordaram?".
O paralelo com a nossa Previdência
é evidente: o gasto do INSS era de
2,5% do PIB em 1988, está a caminho
de 8% do PIB e o próprio governo,
mesmo com hipóteses otimistas, projeta um agravamento da situação nos
próximos 20 anos, conforme explicitado no anexo da LDO de 2006. Afirmar que uma reforma previdenciária
não é importante equivale a ignorar o
aquecimento da Terra.
O Brasil está fracassando como nação. Somos uma espécie de versão
cordial do Iraque. Lá, o futuro está
sendo dinamitado na base de atentados. Aqui, nós estamos comprometendo o Brasil dos nossos filhos com
um drama em três atos.
No primeiro, tivemos uma campanha eleitoral lamentável, onde nada
relevante para o país foi discutido a
sério. No segundo, estamos assistindo
a uma disputa pelo poder na formação do ministério na qual a última
coisa que os aliados discutem são as
políticas públicas. No terceiro, o governo dirá que tem maioria para governar por quatro anos, mas não para
fazer grandes reformas.
Assim, a despesa do INSS em 2010
deverá ser maior que a de 2006, que é
maior que a de 2002, quando foi
maior que a de 1994. A Previdência é
irmã do binômio carga tributária alta/investimento baixo, que tem sido a
bola de chumbo presa aos pés da economia nos últimos dez anos.
O mais espantoso do caso é que não
há nada na proposta de reforma previdenciária que possa sequer remotamente ser julgado como drástico. A
proposta contempla, basicamente,
três elementos:
a) indexação de todas as aposentadorias ao INPC;
b) adoção de uma idade mínima de
aposentadoria por tempo de contribuição de 60 anos para os homens e
de 55 para as mulheres;
c) redução da diferença de requisito
para aposentadoria entre homens e
mulheres de cinco para dois anos.
A primeira medida é questionada
pelo fato de que implicaria deixar de
dar aumentos reais para o piso previdenciário. O problema é que, nos próximos 25 anos, o número de idosos vai
crescer 4% ao ano. Estou entre aqueles que entendem que, na próxima década, o Brasil poderá crescer acima de
4%. Entretanto, apostar que, por 25
ou 30 anos, o Brasil terá, na média,
um crescimento maior que 4% ao ano
é uma temeridade.
Temos, então, um problema aritmético: se tanto o PIB como o número de aposentados crescerem 4% ao
ano e, além disso, dois de cada três
aposentados -que ganham o piso-
tiverem aumentos reais, como ocorreu nos últimos 12 anos, a relação entre o gasto do INSS e o PIB deverá
continuar aumentando.
A idéia de que haveria uma outra
solução representada pelo ataque às
fraudes é ofensiva ao presidente Lula
por uma questão de lógica: esse pode
ser um bom argumento no primeiro
ano de governo, mas não no quinto!
A idade mínima proposta, primeiro, começaria a vigorar só em 2010;
segundo, é cinco anos inferior à que
vale para a aposentadoria por idade;
terceiro, corresponde a uma regra
muito mais suave do que a que vigora
em diversos países; quarto, já vigora
para o funcionalismo público desde
2003. Em matéria de rigor, é uma
proposta benevolente.
Já a redução da diferença de requisito de aposentadoria entre homens e
mulheres também começaria a vigorar daqui a alguns anos, aproximaria o
Brasil da tendência observada em um
vasto número de países e se daria ao
longo de 15 anos, mediante a diminuição da diferença dos atuais cinco anos
para dois na base da redução de um
ano a cada cinco anos.
Tenho defendido essas idéias, e o
argumento que sempre escuto é:
"Não há condições políticas". Da mesma forma, no Oriente Médio, também não há condições para acabar
com a guerra. Qual é o nosso pensamento, entretanto, quando lemos
que, todo dia, as bombas matam 50 ou
100 pessoas no Iraque? É algo como:
"Xiitas e sunitas deveriam se entender de alguma forma".
Agora, pergunto ao leitor: o que o
mundo pode pensar sabendo que, no
Brasil, aqueles que se aposentam por
tempo de contribuição o fazem a uma
média de 55 anos, sendo 52 anos para
as mulheres -de classe média!-, em
um país em que a falta de recursos já
causou um colapso energético, agora
ameaça causar um apagão aéreo e não
há "condições políticas" de mudar nada? Há algo de errado com nossas políticas (e nossos políticos).
FABIO GIAMBIAGI, 44, mestre em economia pela UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro), é economista do
BNDES e autor do livro "Reforma da Previdência".
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