São Paulo, quinta-feira, 23 de novembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A reforma da Previdência Social

FABIO GIAMBIAGI

O mais espantoso é que não há nada na proposta de reforma previdenciária que possa sequer remotamente ser julgado como drástico

NO FILME "Uma verdade inconveniente", produzido a partir da catequese do ex-vice-presidente dos EUA acerca dos efeitos de longo prazo da poluição sobre o clima, em determinado momento, Al Gore diz: "As futuras gerações um dia se voltarão para nós e nos perguntarão: onde vocês estavam quando tudo isso acontecia? Por que vocês não acordaram?".
O paralelo com a nossa Previdência é evidente: o gasto do INSS era de 2,5% do PIB em 1988, está a caminho de 8% do PIB e o próprio governo, mesmo com hipóteses otimistas, projeta um agravamento da situação nos próximos 20 anos, conforme explicitado no anexo da LDO de 2006. Afirmar que uma reforma previdenciária não é importante equivale a ignorar o aquecimento da Terra.
O Brasil está fracassando como nação. Somos uma espécie de versão cordial do Iraque. Lá, o futuro está sendo dinamitado na base de atentados. Aqui, nós estamos comprometendo o Brasil dos nossos filhos com um drama em três atos.
No primeiro, tivemos uma campanha eleitoral lamentável, onde nada relevante para o país foi discutido a sério. No segundo, estamos assistindo a uma disputa pelo poder na formação do ministério na qual a última coisa que os aliados discutem são as políticas públicas. No terceiro, o governo dirá que tem maioria para governar por quatro anos, mas não para fazer grandes reformas.
Assim, a despesa do INSS em 2010 deverá ser maior que a de 2006, que é maior que a de 2002, quando foi maior que a de 1994. A Previdência é irmã do binômio carga tributária alta/investimento baixo, que tem sido a bola de chumbo presa aos pés da economia nos últimos dez anos.
O mais espantoso do caso é que não há nada na proposta de reforma previdenciária que possa sequer remotamente ser julgado como drástico. A proposta contempla, basicamente, três elementos:
a) indexação de todas as aposentadorias ao INPC;
b) adoção de uma idade mínima de aposentadoria por tempo de contribuição de 60 anos para os homens e de 55 para as mulheres;
c) redução da diferença de requisito para aposentadoria entre homens e mulheres de cinco para dois anos.
A primeira medida é questionada pelo fato de que implicaria deixar de dar aumentos reais para o piso previdenciário. O problema é que, nos próximos 25 anos, o número de idosos vai crescer 4% ao ano. Estou entre aqueles que entendem que, na próxima década, o Brasil poderá crescer acima de 4%. Entretanto, apostar que, por 25 ou 30 anos, o Brasil terá, na média, um crescimento maior que 4% ao ano é uma temeridade.
Temos, então, um problema aritmético: se tanto o PIB como o número de aposentados crescerem 4% ao ano e, além disso, dois de cada três aposentados -que ganham o piso- tiverem aumentos reais, como ocorreu nos últimos 12 anos, a relação entre o gasto do INSS e o PIB deverá continuar aumentando.
A idéia de que haveria uma outra solução representada pelo ataque às fraudes é ofensiva ao presidente Lula por uma questão de lógica: esse pode ser um bom argumento no primeiro ano de governo, mas não no quinto!
A idade mínima proposta, primeiro, começaria a vigorar só em 2010; segundo, é cinco anos inferior à que vale para a aposentadoria por idade; terceiro, corresponde a uma regra muito mais suave do que a que vigora em diversos países; quarto, já vigora para o funcionalismo público desde 2003. Em matéria de rigor, é uma proposta benevolente.
Já a redução da diferença de requisito de aposentadoria entre homens e mulheres também começaria a vigorar daqui a alguns anos, aproximaria o Brasil da tendência observada em um vasto número de países e se daria ao longo de 15 anos, mediante a diminuição da diferença dos atuais cinco anos para dois na base da redução de um ano a cada cinco anos.
Tenho defendido essas idéias, e o argumento que sempre escuto é: "Não há condições políticas". Da mesma forma, no Oriente Médio, também não há condições para acabar com a guerra. Qual é o nosso pensamento, entretanto, quando lemos que, todo dia, as bombas matam 50 ou 100 pessoas no Iraque? É algo como: "Xiitas e sunitas deveriam se entender de alguma forma".
Agora, pergunto ao leitor: o que o mundo pode pensar sabendo que, no Brasil, aqueles que se aposentam por tempo de contribuição o fazem a uma média de 55 anos, sendo 52 anos para as mulheres -de classe média!-, em um país em que a falta de recursos já causou um colapso energético, agora ameaça causar um apagão aéreo e não há "condições políticas" de mudar nada? Há algo de errado com nossas políticas (e nossos políticos).


FABIO GIAMBIAGI, 44, mestre em economia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é economista do BNDES e autor do livro "Reforma da Previdência".

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