São Paulo, sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NELSON MOTTA

Almoço grátis na selva

RIO DE JANEIRO - Na época do Descobrimento, os índios brasileiros estavam muito mais atrasados em relação às civilizações maia, inca e asteca do que nós estamos hoje diante dos Estados Unidos. Mas a Guatemala, o Peru e o México não conseguiram tirar grandes proveitos das civilizações de seus antepassados, que em muitos campos eram mais adiantadas do que a européia da época.
Enquanto os maias, os incas e os astecas construíam cidades e monumentos grandiosos, tinham linguagem escrita, códigos de leis, estudavam astronomia e matemática ... os índios brasileiros se dedicavam à caça e à pesca, às raízes e aos frutos, ao desfrute dos instintos e à guerra contra os vizinhos. E estavam felicíssimos assim, sem qualquer outra necessidade ou ambição: o zen-tupi.
Mesmo no quesito "selvageria", as diferenças eram gritantes: nos sacrifícios humanos dos astecas, o coração dos inimigos era arrancado e oferecido às divindades da guerra; os índios norte-americanos tinham o péssimo costume de tirar o escalpo dos perdedores e exibi-los como troféus sangrentos, deixando-os não só mortos como humilhados e carecas; os jivaros equatorianos e venezuelanos cortavam e encolhiam as cabeças inimigas e costuravam as suas bocas.
Já os brasileiros ancestrais uniam o útil ao agradável: devoravam os vizinhos, uma carne mais saborosa do que de macaco ou anta. E com a grande vantagem de, ao comê-la, adquirir as qualidades que o guerreiro levou a vida inteira para desenvolver em sua tribo.
Sem trabalhar, sem estudar, sem sacrifícios, sem nenhum estresse além de um músculo mais duro de mastigar, os antropófagos brasileiros se sentiam mais corajosos, mais fortes, mais sábios e mais belos depois do almoço grátis. Questão de fisiologia. Ou de destino.


Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: O demolidor
Próximo Texto: José Sarney: Cearense, sim senhor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.