São Paulo, sábado, 23 de dezembro de 2006

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SERGIO COSTA

Capitalismo de botequim

RIO DE JANEIRO - Caça-níquel. O nome diz tudo. É em busca das moedinhas dos mais pobres que quadrilhas deflagraram uma guerra que já matou mais de 50 e corrompeu parte significativa das polícias daqui. A lógica é a mesma que fez do bicho quase uma instituição no século passado. Não por acaso, são os herdeiros dos grandes bicheiros, associados a maus policiais, que dominam a jogatina.
O segredo do bicho sempre foi sua faceta "democrática": qualquer um pode apostar o que quiser. Vale o que está escrito. Caraminguás do povão construíram a fortuna de bicheiros que mantinham e mantêm uma invejável rede de captação de recursos. Olhe na sua esquina, na rua da delegacia, ao lado do boteco.
A diferença das loterias federais é que esse azar não paga imposto. Mas acabou tolerado a partir de um pilar capitalista: a lei da oferta e da procura. Essa tolerância tem um preço, pago a autoridades.
O caça-níquel é uma espécie de industrialização do bicho. O apontador é substituído por uma máquina contrabandeada que toma o dinheiro de quem mais precisa e o devolve, como prêmio, numa proporção infinitamente inferior.
A máquina não tem fome, filho ou salário. Fica ali, encostada no azulejo do botequim. Com uns dias de apostas incautas, se paga. O resto é lucro. O aposentado troca 5 pratas em moedas de 25 centavos e as deixa para o "patrão". De vez em quando, tira o da cerveja, quando não arrisca tudo de novo. É assim em Bangu, na zona oeste, é assim em Las Vegas, no Velho Oeste.
Se é por essas moedas, multiplicadas por milhões, que se mata e se corrompe, melhor fariam os apostadores, já que a polícia mudou de time e o real é forte, se as juntassem num cofrinho. Poderiam, mais tarde, comprar algo útil, movimentar a economia e nos poupar de nova tentação aos espertos de sempre.


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