São Paulo, domingo, 23 de dezembro de 2007

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Servidão voluntária

UM MODO comum e desairoso de definir o Brasil é identificá-lo como o país onde o provisório costuma provar-se definitivo. A anedota sai algo prejudicada com a derrota da CPMF no Congresso, decerto. Porém a instituição prossegue tolerante com as medidas provisórias, um instrumento a mais para desequilibrar a relação entre Legislativo e Executivo, concentrando poderes no segundo.
Introduzido com a Carta de 1988, o instrumento faculta ao presidente da República legislar com efeito imediato em matérias de relevância e urgência, "ad referendum" do Congresso. Mais de 2.600 foram editadas desde então, claro indicador numérico de abuso. Um caso recente: que urgência pode haver num canal de TV pública como o criado pela MP nº 398, de outubro?
A numeração já está em 405, mas foi zerada em 11 de setembro de 2001, data da emenda constitucional nº 32. Nos 13 anos anteriores, haviam sido 2.230, uma taxa mensal três vezes maior. Com a emenda, caiu a possibilidade de reeditar MPs indefinidamente, na ausência de exame pelo Congresso. Pela nova redação do artigo 62 da Constituição, a medida que não for apreciada em até 45 dias entra em regime de urgência e tranca a pauta de votação nas duas Casas.
Um pequeno avanço, que fez arrefecer de leve o furor legiferante da Presidência. Nada mudou, contudo, no que toca ao cumprimento do preceito constitucional de relevância e urgência. O Executivo o desobedece, e o Legislativo finge que não vê.
O mesmo artigo 62 (parágrafo 9º) estabelece que cabe a uma comissão mista de deputados e senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas. Nunca saiu do papel.
A presidência da Câmara tenciona agora, segundo o jornal "Valor", mudar o rito das MPs em 2008. Poderia começar combatendo a própria omissão.


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