São Paulo, sábado, 24 de janeiro de 2004

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Política e exigências éticas

No exercício da cidadania, somos chamados a participar da "política", destinada a promover de forma orgânica e institucional o bem comum. O bem comum inclui o respeito à vida humana, a conservação da natureza, a busca da verdade, a promoção da justiça e da solidariedade e a garantia da liberdade, da igualdade da ordem pública e da paz.
Surge e cresce, aos poucos, no horizonte da vida política, a ameaça do relativismo cultural, que procura defender o pluralismo ético desrespeitando os princípios da lei moral natural. Há declarações públicas, adverte o papa João Paulo 2º, que consideram esse pluralismo ético como condição para a democracia ("Cent. Annus, nº 46"). Essa posição significaria negar a existência de normas morais radicadas na própria natureza do ser humano e a cujos ditames deve submeter-se a concepção da pessoa, do bem comum e do Estado.
A democracia requer uma adequada concepção da pessoa. O Concílio Vaticano 2º ("Gaudium et Spes", nº 25 e nº 73) explica que a estrutura democrática do Estado moderno seria frágil se não fosse fundamentada na centralidade da pessoa e nos direitos que dela decorrem.
É preciso, portanto, resistir em nossa pátria às tentativas de projetos de lei que conflitem com a dignidade da vida humana. À luz da razão, temos sempre de compreender os limites próprios do voto majoritário. Indica a opção do grupo mais numeroso, mas não significa que esse grupo, mesmo majoritário, esteja alcançando a verdade. Daí a necessidade de salvaguardar o exercício da liberdade com a busca e a descoberta da verdade.
Assim, a atuação das autoridades legislativas tem de se deixar iluminar pelas exigências éticas inalienáveis que dizem respeito ao bem integral da pessoa humana e da sociedade. O fato de políticos cristãos defenderem as exigências éticas fundamentais não significa que estejam promovendo princípios por serem "confessionais", mas porque derivam da dignidade ontológica da pessoa humana comum a todos.
Reafirmando a tese de que "a política não se pode separar da moral", a Congregação para a Doutrina da Fé elenca, a título de exemplo, algumas exigências éticas que são irrenunciáveis na atuação dos políticos por estarem baseadas no bem integral da pessoa ("Nota Doutrinal sobre Política", 24/11/02).
É o caso das leis civis que devem tutelar o direito primário à vida, desde a concepção até o seu termo natural, com exclusão do aborto e da eutanásia. Na mesma perspectiva, inserem-se os direitos do embrião humano, a promoção da família fundada no matrimônio monogâmico entre pessoas de sexo diferente e protegida na sua unidade e estabilidade, a liberdade de educação que os pais têm em relação aos filhos, a liberdade religiosa, o respeito à justiça social, a economia a serviço da pessoa e do bem comum, a recusa da violência e do terrorismo e a construção da paz, fruto da justiça e da caridade.
A política sem a ética abre caminhos para ofuscar a razão, para a anarquia e para a dominação do mais forte. O pluralismo partidário, o respeito à diversidade de posições, os direitos e deveres da democracia, tudo precisa estar sempre a serviço da dignidade da pessoa e do bem comum da sociedade civil.


Dom Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.


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