|
Próximo Texto | Índice
Freios democráticos
No pronunciamento de Lula sobre o PAC, ressalta a defesa firme e sóbria da democracia, em contraste com Chávez
O DISCURSO do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva no lançamento
do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) não
trouxe surpresa pelo conteúdo
das medidas anunciadas. Merece
destaque, contudo, pelo registro
prudente de condições e requisitos institucionais para o sucesso
do programa, ainda que tímido.
Não se ouviram as concessões
habituais à retórica prosaica e
pedestre. O pronunciamento investiu de maneira conseqüente
na imagem de que há uma velocidade correta para o crescimento.
E foi além do óbvio econômico
na qualificação do que entende
por correto, ampliando a noção
de segurança para nela incluir o
aspecto político-institucional.
"Aqui não se cresce sacrificando a democracia, aqui não se fortalece a economia enfraquecendo o social, aqui não se criam ilusões de distribuir o que não se
tem, nem de gastar o que não se
pode pagar", assinalou. Foi o trecho mais contundente da fala,
por demarcar de modo incomum
e firme as diferenças entre o processo político brasileiro e os de
outros países sul-americanos.
No primeiro mandato, Lula
exorbitou aqui e ali dos limites
democráticos do cargo, como nas
investidas contra jornalistas.
Nada, porém, que se compare
-em gravidade e extensão- a
medidas anunciadas há pouco
por Hugo Chávez para perpetuar
sua anacrônica receita de estatismo autoritário na Venezuela.
Não foi casual a circunstância
escolhida por Lula para antepor
a democracia a qualquer outro
requisito do desenvolvimento. O
contraste pretendido com Chávez é evidente. Seja pelo caráter
recente da visita do venezuelano,
seja pelas verborrágicas justificativas que distribuiu em território brasileiro, na cúpula do Mercosul, para suas decisões lesivas
às liberdades, o presidente elegeu um momento propício para
destacar instituições democráticas como atributo indissociável
do "moderno projeto de nação".
Decerto que o contraste também se impõe diante da preocupante cena política de outros vizinhos, como a Bolívia. Pode-se
até vislumbrar uma menção
oblíqua a Néstor Kirchner, da
Argentina, na passagem em que
Lula se compromete a prescindir
do controle de preços. Ela soa benigna, porém, diante do destaque à questão institucional.
De resto, Lula não fez no caso
mais do que se espera de um presidente da República -governar
com base nas condições reais e
históricas do país, não em fantasias personalistas e ideologias requentadas. O Brasil é uma sociedade muito mais complexa e diversificada que a venezuelana;
nesta última o advento de uma
ditadura de produto único, a saber, o petróleo, está no horizonte
imediato. Tampouco passamos
por terremotos institucionais,
no período recente, como o que
abalou a Argentina.
Aqui, forças e atores políticos
parecem ter alcançado um estágio de maturação que, se deixa a
desejar, comporta freios para
conter a aceleração que arrisca
derrapagens, quando não o precipício. O mérito de Lula esteve
em render-se a tal realidade.
Próximo Texto: Editoriais: O pacote de Kassab
Índice
|