São Paulo, quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

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Freios democráticos

No pronunciamento de Lula sobre o PAC, ressalta a defesa firme e sóbria da democracia, em contraste com Chávez

O DISCURSO do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no lançamento do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) não trouxe surpresa pelo conteúdo das medidas anunciadas. Merece destaque, contudo, pelo registro prudente de condições e requisitos institucionais para o sucesso do programa, ainda que tímido.
Não se ouviram as concessões habituais à retórica prosaica e pedestre. O pronunciamento investiu de maneira conseqüente na imagem de que há uma velocidade correta para o crescimento. E foi além do óbvio econômico na qualificação do que entende por correto, ampliando a noção de segurança para nela incluir o aspecto político-institucional.
"Aqui não se cresce sacrificando a democracia, aqui não se fortalece a economia enfraquecendo o social, aqui não se criam ilusões de distribuir o que não se tem, nem de gastar o que não se pode pagar", assinalou. Foi o trecho mais contundente da fala, por demarcar de modo incomum e firme as diferenças entre o processo político brasileiro e os de outros países sul-americanos.
No primeiro mandato, Lula exorbitou aqui e ali dos limites democráticos do cargo, como nas investidas contra jornalistas. Nada, porém, que se compare -em gravidade e extensão- a medidas anunciadas há pouco por Hugo Chávez para perpetuar sua anacrônica receita de estatismo autoritário na Venezuela.
Não foi casual a circunstância escolhida por Lula para antepor a democracia a qualquer outro requisito do desenvolvimento. O contraste pretendido com Chávez é evidente. Seja pelo caráter recente da visita do venezuelano, seja pelas verborrágicas justificativas que distribuiu em território brasileiro, na cúpula do Mercosul, para suas decisões lesivas às liberdades, o presidente elegeu um momento propício para destacar instituições democráticas como atributo indissociável do "moderno projeto de nação".
Decerto que o contraste também se impõe diante da preocupante cena política de outros vizinhos, como a Bolívia. Pode-se até vislumbrar uma menção oblíqua a Néstor Kirchner, da Argentina, na passagem em que Lula se compromete a prescindir do controle de preços. Ela soa benigna, porém, diante do destaque à questão institucional.
De resto, Lula não fez no caso mais do que se espera de um presidente da República -governar com base nas condições reais e históricas do país, não em fantasias personalistas e ideologias requentadas. O Brasil é uma sociedade muito mais complexa e diversificada que a venezuelana; nesta última o advento de uma ditadura de produto único, a saber, o petróleo, está no horizonte imediato. Tampouco passamos por terremotos institucionais, no período recente, como o que abalou a Argentina.
Aqui, forças e atores políticos parecem ter alcançado um estágio de maturação que, se deixa a desejar, comporta freios para conter a aceleração que arrisca derrapagens, quando não o precipício. O mérito de Lula esteve em render-se a tal realidade.


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