São Paulo, quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

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ANTONIO DELFIM NETTO

Lula, o metalúrgico

O AFASTAMENTO de Castro, em Cuba, deixou espaço para uma discussão (ainda restrita) de como dar um pouco mais de racionalidade à economia do país, por meio do estabelecimento de incentivos que permitam aos cidadãos apropriarem-se de parte dos benefícios de sua iniciativa. No mesmo momento, Venezuela, Bolívia e Equador anunciam o caminho contrário.
Depois de chegar ao poder em 1959 e de introduzir o planejamento central, Castro tentou, no tétrico período 1966-70, criar o "novo homem", educando a classe urbana (como já haviam tentado Stálin e Mao), mandando-a cortar cana, e estatizando até pequenos negócios. Com o fim da ajuda soviética, houve pequenas liberações e iniciou-se uma discussão que, ao transcender o círculo governamental, foi cruelmente interrompida em 1996. Agora a mesma discussão está discretamente voltando à tona.
Chávez, aparentemente, acredita que terá sucesso na criação do "homem novo", que se moverá pelo altruísmo (em lugar da "ganância do mercado") e, generosamente, obedecerá à sua liderança. Crê que vai ter êxito onde Stálin, Mao, Castro e outros tantos fracassaram. Algumas pessoas (e o "mercado" que adora volatilidade) temem que o presidente Lula possa entusiasmar-se com tal idéia, tão generosa quanto desastrosa. Para estes, recomendo um pequeno excerto do discurso de posse de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos, no dia 19 de abril de 1975: "O momento da história que estamos vivendo apresenta-se, apesar dos desmentidos em contrário, como dos mais negros para os destinos individuais e coletivos do ser humano. De um lado, vemos o homem esmagado pelo Estado, escravizado pela ideologia marxista, tolhido nos seus mais comezinhos ideais de liberdade, limitado em sua capacidade de pensar e se manifestar. E, no reverso da situação, encontramos o homem escravizado pelo poder econômico, explorado por outros homens, privados da dignidade que o trabalho proporciona, tangidos pela febre de lucro, jungidos ao ritmo da produção, condicionados por leis bonitas, mas inaplicáveis, equiparados às máquinas e ferramentas."
Lula nunca foi aprisionado no dogmático marxismo de "pé quebrado" que freqüentou nossas academias e encantou muitos de nossos "intelectuais"... Talvez registre alguma influência da solidariedade concreta de dom Cláudio Hummes à greve de 1979, quando o "Partidão" e grandes políticos do MDB se esquivaram de apoiá-la. Pelo discurso no lançamento do PAC, um dia pensará em substituir-se a Deus na criação do "homem novo"!


dep.delfimnetto@camara.gov.br

ANTONIO DELFIM NETTO
escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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