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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
O Brasil está preparado para ter uma taxa
de juros abaixo de 10% imediatamente?
NÃO
Saudosismo econômico
ROBERTO LUIS TROSTER
NAS ÚLTIMAS décadas, a taxa
Selic tem se situado entre as
mais elevadas do mundo, restringindo o crescimento e favorecendo a concentração de renda. Diminuí-la equivale a aumentar o potencial de
desenvolvimento do país. É um problema importante e tecnicamente solucionável. Todavia, vive-se no passado, uns apregoando irresponsabilidade inflacionária, e o governo usando
instrumentos obsoletos.
A Selic é a taxa de juros de um dia
para operações entre o Banco Central
e bancos. O papel da autoridade monetária, em todo o mundo, é o de fixar
a taxa próxima à de equilíbrio, compatível com uma meta de inflação.
Por um lado, uma taxa mais baixa
que a de equilíbrio provoca distorções
nos preços que acabam limitando o
crescimento do país. Por outro, uma
taxa mais alta é recessiva. A margem
de manobra da autoridade monetária
é estreita e exige atuação cautelosa.
Juros acima ou inferiores aos de equilíbrio implicam crescimento perdido.
Assim, cabe ao Banco Central fixar
a taxa próxima ao nível de equilíbrio,
que é determinado pelo quadro macroeconômico e pelos mecanismos de
transmissão. Uma conjuntura com
atividade em queda, superávit fiscal
elevado e câmbio valorizado reduz a
taxa de equilíbrio; alternativamente,
com demanda aquecida, déficit do governo elevado e desvalorização cambial, a taxa de equilíbrio aumenta.
Atualmente, o baixo nível de atividade reduziu a taxa de equilíbrio. Porém, a dinâmica fiscal ruim e a evolução recente da taxa de câmbio limitam uma queda maior do nível de
equilíbrio dos juros.
Tão importante quanto o quadro
macroeconômico é a forma como o
impacto da taxa de juros é propagado
ao resto da economia, por meio do
que é conhecido como mecanismos
de transmissão da política monetária.
Quando eficientes, conseguem um
impacto expressivo com uma taxa de
juros baixa, e, quando ineficientes,
seu resultado nas variáveis é obtido
apenas com taxas elevadas. No Brasil,
esses mecanismos estão emperrados,
abafando o impacto da política monetária e mantendo a taxa básica de
equilíbrio num patamar elevado.
Três distorções obstruem os impactos dos juros.
A primeira é que uma parcela considerável dos ativos financeiros brasileiros tem seu rendimento fixado diariamente em função da taxa Selic.
Dessa forma, uma alta dos juros, em
vez de restringir a demanda por bens
e serviços, a aumenta, pois eleva a
renda dos detentores desses ativos.
A segunda é a política de compulsórios. Parte apreciável dos recursos financeiros dos bancos fica retida no
Banco Central do Brasil. Mesmo com
as reduções, o último número disponível indica um total de R$ 187 bilhões, o que corresponde a 6% do PIB.
É um valor sem paralelos no mundo,
reduzindo a liquidez sistêmica e abafando o impacto dos juros em razão
dos recursos que ficam ociosos no BC.
A última deformação está ligada ao
fato de que o crédito tem uma sensibilidade baixa aos juros, sobretudo por
causa da tributação, dos compulsórios e do elevado volume de financiamentos que têm a taxa fixada por outros critérios que não o mercado, como os do BNDES. Com isso, a taxa final para o tomador muda pouco com
estímulos monetários.
O ponto é que essa soma de distorções faz com os estímulos monetários
sejam fracos, mantendo a taxa de
equilíbrio num patamar exageradamente alto, superior aos 10%, e limitando a capacidade do Banco Central
de baixar os juros sem colocar a economia numa trajetória inflacionária.
O custo para o país é desnecessário.
A insistência do governo em usar
instrumentos monetários de meio século atrás, em desuso há décadas em
outros países, mesmo quando a realidade mostra o erro, só se explica por
saudosismo. A consequência é que se
está asfixiando o país. Os juros altos
esmagam o crédito, dificultam a absorção da crise, comprimem o investimento, elevam a mortalidade de
empresas e abafam o crescimento. É
uma aberração, mas é um fato.
ROBERTO LUIS TROSTER , 58, é doutor em economia pela
USP e sócio da Integral Trust. Foi economista-chefe da
Febraban (Federação Brasileira de Bancos), da ABBC e do
Banco Itamarati.
robertotroster@uol.com.br
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