São Paulo, sábado, 24 de janeiro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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O Brasil está preparado para ter uma taxa de juros abaixo de 10% imediatamente?

NÃO

Saudosismo econômico

ROBERTO LUIS TROSTER

NAS ÚLTIMAS décadas, a taxa Selic tem se situado entre as mais elevadas do mundo, restringindo o crescimento e favorecendo a concentração de renda. Diminuí-la equivale a aumentar o potencial de desenvolvimento do país. É um problema importante e tecnicamente solucionável. Todavia, vive-se no passado, uns apregoando irresponsabilidade inflacionária, e o governo usando instrumentos obsoletos.
A Selic é a taxa de juros de um dia para operações entre o Banco Central e bancos. O papel da autoridade monetária, em todo o mundo, é o de fixar a taxa próxima à de equilíbrio, compatível com uma meta de inflação.
Por um lado, uma taxa mais baixa que a de equilíbrio provoca distorções nos preços que acabam limitando o crescimento do país. Por outro, uma taxa mais alta é recessiva. A margem de manobra da autoridade monetária é estreita e exige atuação cautelosa.
Juros acima ou inferiores aos de equilíbrio implicam crescimento perdido.
Assim, cabe ao Banco Central fixar a taxa próxima ao nível de equilíbrio, que é determinado pelo quadro macroeconômico e pelos mecanismos de transmissão. Uma conjuntura com atividade em queda, superávit fiscal elevado e câmbio valorizado reduz a taxa de equilíbrio; alternativamente, com demanda aquecida, déficit do governo elevado e desvalorização cambial, a taxa de equilíbrio aumenta.
Atualmente, o baixo nível de atividade reduziu a taxa de equilíbrio. Porém, a dinâmica fiscal ruim e a evolução recente da taxa de câmbio limitam uma queda maior do nível de equilíbrio dos juros.
Tão importante quanto o quadro macroeconômico é a forma como o impacto da taxa de juros é propagado ao resto da economia, por meio do que é conhecido como mecanismos de transmissão da política monetária.
Quando eficientes, conseguem um impacto expressivo com uma taxa de juros baixa, e, quando ineficientes, seu resultado nas variáveis é obtido apenas com taxas elevadas. No Brasil, esses mecanismos estão emperrados, abafando o impacto da política monetária e mantendo a taxa básica de equilíbrio num patamar elevado.
Três distorções obstruem os impactos dos juros.
A primeira é que uma parcela considerável dos ativos financeiros brasileiros tem seu rendimento fixado diariamente em função da taxa Selic.
Dessa forma, uma alta dos juros, em vez de restringir a demanda por bens e serviços, a aumenta, pois eleva a renda dos detentores desses ativos.
A segunda é a política de compulsórios. Parte apreciável dos recursos financeiros dos bancos fica retida no Banco Central do Brasil. Mesmo com as reduções, o último número disponível indica um total de R$ 187 bilhões, o que corresponde a 6% do PIB.
É um valor sem paralelos no mundo, reduzindo a liquidez sistêmica e abafando o impacto dos juros em razão dos recursos que ficam ociosos no BC.
A última deformação está ligada ao fato de que o crédito tem uma sensibilidade baixa aos juros, sobretudo por causa da tributação, dos compulsórios e do elevado volume de financiamentos que têm a taxa fixada por outros critérios que não o mercado, como os do BNDES. Com isso, a taxa final para o tomador muda pouco com estímulos monetários.
O ponto é que essa soma de distorções faz com os estímulos monetários sejam fracos, mantendo a taxa de equilíbrio num patamar exageradamente alto, superior aos 10%, e limitando a capacidade do Banco Central de baixar os juros sem colocar a economia numa trajetória inflacionária.
O custo para o país é desnecessário.
A insistência do governo em usar instrumentos monetários de meio século atrás, em desuso há décadas em outros países, mesmo quando a realidade mostra o erro, só se explica por saudosismo. A consequência é que se está asfixiando o país. Os juros altos esmagam o crédito, dificultam a absorção da crise, comprimem o investimento, elevam a mortalidade de empresas e abafam o crescimento. É uma aberração, mas é um fato.


ROBERTO LUIS TROSTER , 58, é doutor em economia pela USP e sócio da Integral Trust. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.

robertotroster@uol.com.br


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