|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
O futuro do regime sindical
Entre as iniciativas a que o
governo dá prioridade está a reforma trabalhista e sindical. Trato do
ponto mais obscuro e importante: a
mudança que se propõe do regime
sindical. Não há exemplo melhor do
preço que pagamos por nossa dependência mental, mais destruidora do
que qualquer dependência econômica.
Acostumamo-nos a ouvir que nosso
regime sindical faz parte de orientação
que o Estado Novo copiou do fascismo europeu. Nesse regime, o princípio da unicidade -todo trabalhador
deve ser automaticamente sindicalizado em estrutura sindical única- seria
inseparável da subordinação dos sindicatos aos governos: da unicidade ao
peleguismo haveria só pequeno passo.
A alternativa libertadora seria adotar
o sistema que prevalece de forma mais
absoluta nos Estados Unidos: o pluralismo. Sindicaliza-se quem quiser e
puder. As organizações sindicais são
privadas; não se juntam em sistema
nacional.
A experiência comparada dos países
demonstra que substituir unicidade
por pluralismo surte três conseqüências nocivas. A primeira é favorecer a
segmentação hierárquica das reivindicações e dos acordos. Os trabalhadores relativamente privilegiados dos setores mais capitalizados da economia
acertam-se com seus empregadores
sem ter de levar em conta a situação de
empregados menos favorecidos. A
unicidade, pelo contrário, coloca muitos no mesmo barco, sob as mesmas
lideranças. Fato de peso imenso em
país como o nosso, em que, contrariamente ao que se supõe, a forma mais
extrema e decisiva de desigualdade
continua a ser a desigualdade dentro
do assalariado. Pioraria com o pluralismo sindical. O segundo resultado
do pluralismo é focalizar a militância
no esforço difícil para sindicalizar trabalhadores em vez de focalizá-la no
exercício do poder sindical já constituído. O terceiro efeito, por conta dos
outros dois, é instaurar ambiente em
que emprego, salário e benefícios monopolizam atenções, com prejuízo de
qualquer agenda transformadora
mais abrangente. A unicidade merece,
por esses motivos, o apoio de quantos
compreendam que estratégias produtivistas têm de basear-se em coesão
social, não em jogo de dividir e imperar.
Defender a unicidade sindical. Combiná-la, porém, com medidas que fortaleçam a independência dos sindicatos -do governo e dos patrões. Tendências rivais, sejam ou não ligadas a
partidos políticos, podem lutar por espaço dentro dessa estrutura sindical
unitária assim como partidos políticos
lutam por poder dentro da estrutura
do Estado democrático. Abolir os encargos sobre a folha salarial, financiando os direitos trabalhistas com os
tributos gerais, para promover a legalização dos empregados sem carteira
assinada. E desenvolver meios para
representar e proteger trabalhadores
temporários ou precários, parte crescente da força de trabalho em quase
todo o mundo.
Isso sim que é projeto para reconciliar e promover os interesses do trabalho e os da produção. Exige o que mais
nos falta: clareza e coragem para pensar com nossas próprias cabeças em
vez de obedecer às fórmulas institucionais e ideológicas que se nos impingem. Já que a inteligência brasileira
renunciou à responsabilidade de dar
imaginação institucional ao Brasil, cabe aos práticos e aos ousados completar a obra abandonada dos doutores.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O momento da verdade Próximo Texto: Frases Índice
|