|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANTONIO DELFIM NETTO
Os Pigs e nós
NUNCA HOUVE consenso sobre as excelsas virtudes de
todas as inovações criadas
pelo sistema financeiro.
A pouco e pouco, algumas delas o
distanciaram do que deve ser a sua
missão fundamental. Esta é a de
encontrar meios eficientes, seguros e estáveis de prover o sistema
produtivo (agricultura, indústria e
serviços) dos meios para executar
sua tarefa e financiar as "inovações" que elevam a sua produtividade: produzir mais e melhor com
menos recursos. O mercado de capitais e os lucros retidos são complementos essenciais para a capitalização das empresas a longo prazo
que aceleraram o crescimento.
O drama que vivemos é em larga
medida consequência do fato de
que a agilidade das comunicações e
a inventividade dos agentes financeiros inverteram o seu papel. De
úteis instrumentos a serviço da
economia real, aquela que cria riqueza e dá emprego, submeteram-na aos seus próprios desígnios de
lucro fácil e origem mágica.
Isso foi possível graças a um domínio hegemônico conquistado no
estilo gramsciano pelo sistema financeiro na academia e na imprensa. Hoje, no Brasil, os agentes ativos que constroem o pensamento
hegemônico são a taxa de juros, a
taxa de câmbio, os pontos do Ibovespa e as crenças do Banco Central. Os agentes passivos, ignorados, são os empresários, que dão
emprego, que correm os riscos, e os
trabalhadores, cujo desemprego é
saudado porque dá folga ao famoso
"produto potencial"...
A última coisa que interessa é saber, por exemplo, que graças às "artes" chinesas (que o Brasil considera uma "economia de mercado"!)
destrói-se o nosso setor calçadista.
A desculpa é facilmente formulada
pelo pensamento hegemônico:
nossa produtividade é menor que a
chinesa! Os empresários falidos e
os trabalhadores desempregados
encontrarão, por definição, uso
mais rentável para seu patrimônio
e para sua força de trabalho em outro setor...
As recentes volatilidades da taxa
de câmbio e do índice Ibovespa
(que, obviamente, não são fenômenos independentes) deveriam levar-nos a uma reflexão mais profunda. Elas não são resultado de
"leis naturais", mas produto do
equívoco de subjugar o setor real
da economia aos interesses do sistema financeiro.
Certamente temos mais sorte do
que os Pigs (Portugal, Itália, Grécia
e Espanha), que estão na origem da
volatilidade. Fizemos uma política
fiscal melhor e temos uma relação
dívida pública bruta/PIB sob relativo controle. Isso não impediu, entretanto, que nas últimas semanas
a taxa de retorno em dólares das
aplicações em renda variável no
Brasil fosse negativa e igual às
deles.
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Moralismo em massa Próximo Texto: Frases
Índice
|