São Paulo, quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

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ANTONIO DELFIM NETTO

Os Pigs e nós

NUNCA HOUVE consenso sobre as excelsas virtudes de todas as inovações criadas pelo sistema financeiro.
A pouco e pouco, algumas delas o distanciaram do que deve ser a sua missão fundamental. Esta é a de encontrar meios eficientes, seguros e estáveis de prover o sistema produtivo (agricultura, indústria e serviços) dos meios para executar sua tarefa e financiar as "inovações" que elevam a sua produtividade: produzir mais e melhor com menos recursos. O mercado de capitais e os lucros retidos são complementos essenciais para a capitalização das empresas a longo prazo que aceleraram o crescimento.
O drama que vivemos é em larga medida consequência do fato de que a agilidade das comunicações e a inventividade dos agentes financeiros inverteram o seu papel. De úteis instrumentos a serviço da economia real, aquela que cria riqueza e dá emprego, submeteram-na aos seus próprios desígnios de lucro fácil e origem mágica.
Isso foi possível graças a um domínio hegemônico conquistado no estilo gramsciano pelo sistema financeiro na academia e na imprensa. Hoje, no Brasil, os agentes ativos que constroem o pensamento hegemônico são a taxa de juros, a taxa de câmbio, os pontos do Ibovespa e as crenças do Banco Central. Os agentes passivos, ignorados, são os empresários, que dão emprego, que correm os riscos, e os trabalhadores, cujo desemprego é saudado porque dá folga ao famoso "produto potencial"...
A última coisa que interessa é saber, por exemplo, que graças às "artes" chinesas (que o Brasil considera uma "economia de mercado"!) destrói-se o nosso setor calçadista.
A desculpa é facilmente formulada pelo pensamento hegemônico: nossa produtividade é menor que a chinesa! Os empresários falidos e os trabalhadores desempregados encontrarão, por definição, uso mais rentável para seu patrimônio e para sua força de trabalho em outro setor...
As recentes volatilidades da taxa de câmbio e do índice Ibovespa (que, obviamente, não são fenômenos independentes) deveriam levar-nos a uma reflexão mais profunda. Elas não são resultado de "leis naturais", mas produto do equívoco de subjugar o setor real da economia aos interesses do sistema financeiro.
Certamente temos mais sorte do que os Pigs (Portugal, Itália, Grécia e Espanha), que estão na origem da volatilidade. Fizemos uma política fiscal melhor e temos uma relação dívida pública bruta/PIB sob relativo controle. Isso não impediu, entretanto, que nas últimas semanas a taxa de retorno em dólares das aplicações em renda variável no Brasil fosse negativa e igual às deles.

contatodelfimnetto@uol.com.br


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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