São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

TENDÊNCIAS/DEBATES

Palpite infeliz

ABRAM SZAJMAN


O Brasil não pode admitir a manobra canhestra proposta pela França, que afetaria também nossas commodities minerais e o petróleo do pré-sal


O presidente francês Nicolas Sarkozy enfrentou greves e protestos maciços contra sua reforma da Previdência. No plano externo, amarga derrotas, tais como a revolta popular que balançou a ditadura na Tunísia, apoiada pela França durante décadas.
Fatores de impopularidade que o levaram a produzir esta pérola em discurso sobre as metas do G20: "Nós queremos regulação dos mercados financeiros primários de commodities", disse, acrescentando que "se não fizermos nada, corremos o risco de revoltas por alimentos nos países mais pobres e de um efeito desfavorável sobre o crescimento econômico global".
A tentativa de se valer da presidência rotativa do G20, que a França detém em 2011, para criar fatos políticos que possibilitem manter a perspectiva de se reeleger no ano que vem levou Sarkozy a essa esdrúxula e perigosa ideia, que pode desviar o foco do grupo das 20 maiores economias do planeta, atualmente focado em criar mecanismos destinados a conter ou mitigar efeitos da guerra cambial.
Dirigida apenas ao G8, a proposta já teria o sabor de saudosismo colonialista, já que as potências centrais recorreram no passado a não poucas guerras e golpes de Estado para manter o controle das matérias primas em seus domínios ou áreas de influência.
Mas, no âmbito do G20, em que figuram e protagonizam países com imensos recursos naturais, como o Brasil, a iniciativa soa como provocação, que pede resposta à altura.
A primeira reação veio do diretor-geral da FAO (braço das Nações Unidas para agricultura e alimentação), Jacques Diouf, para quem "os preços mais altos e voláteis continuarão nos próximos anos se deixarmos de combater as causas estruturais dos desequilíbrios no sistema agrícola internacional".
Ele adverte que subsídios e tarifas sobre produtos agrícolas distorcem o equilíbrio entre oferta e procura nesse mercado, colocando o dedo na ferida: tem moral para falar de crise alimentar o país da União Europeia que mais subvenciona seus agricultores?
Durante séculos, os países periféricos foram constrangidos pelo liberalismo econômico, a se concentrar na exploração restrita de suas "vantagens comparativas", ficando à mercê de processo desigual de trocas que lhes exigia cada vez mais produtos primários para adquirir manufaturas que não produziam.
Agora, quando o crescimento da população mundial e da classe média nos países emergentes inverte a equação em benefício dos produtores de commodities, surge um esperto sugerindo melar o jogo de mercado, de modo a preservar os privilégios de um punhado de nações que até aqui se beneficiaram da exclusão da maioria em relação aos frutos do desenvolvimento.
Ao longo dos últimos 30 anos, o Brasil diversificou a produção agrícola, desenvolvendo a mais competitiva e tecnologicamente capacitada agricultura tropical do planeta, capaz de abastecer o mercado interno e exportar não só alimentos mas também energia renovável obtida a partir do etanol da cana-de-açúcar.
Não pode, assim, admitir uma manobra canhestra que afetaria também nossas commodities minerais e o petróleo do pré-sal.
O que o mundo precisa para exorcizar uma futura escassez de alimentos é a prevenção das catástrofes climáticas, acentuadas pelo aquecimento global, e o apoio em assistência técnica, crédito e seguro rural aos produtores dos países mais pobres. Parafraseando Noel Rosa, só há uma resposta justa para o absurdo proposto: "Quem é você que não sabe o que diz? Meu Deus do céu, que palpite infeliz".

ABRAM SZAJMAN é presidente da Fecomercio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) e dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio) e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: Kenneth Maxwell: Decadência?

Próximo Texto: Eduardo Fagnani: O PT e a Constituição de 1988

Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.