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CARLOS HEITOR CONY
Assunto único
RIO DE JANEIRO - Tão nefasto como o pensamento único, o assunto único
é também um saco, principalmente
para os que escrevem e os que lêem.
Comentar a guerra no Iraque, falar
mal de Bush, lamentar as vidas humanas sacrificadas à estupidez dos
governantes -tudo isso é necessário,
mas cansa.
A panorâmica é a mesma em todos
os veículos da mídia. Explosões em
Bagdá, soldados em ação, especialistas disso e daquilo explicando as táticas empregadas pelos contendores
-e é nesse departamento que me espanto, como um burro diante de um
palácio.
Um sujeito em Lisboa, na TV portuguesa, ensina ao Estado Maior
aliado tudo o que deve ser feito para
acabar com o Iraque. Um outro, na
CNN, veterano do Vietnã, onde deixou uma orelha decepada por um
vietcongue, garante que a 3ª Divisão
de Blindados vai fazer isso ou aquilo.
E até mesmo um técnico em armamentos, que mora no Andaraí-Leopoldo, aqui no Rio, explica que os
mísseis usados no primeiro dia da
guerra, tal como os iogurtes e a presuntada em lata, estavam com o prazo de validade vencido.
A massa de informações é impressionante e tem a vantagem -ou desvantagem- de dispersar o horror
que a guerra nos causa. Perdi tempo
ouvindo um especialista em balística
descrever como um míssil inteligente
é capaz de realizar, em frações de segundo, uma complicada equação
matemática, uma leitura precisa da
topografia do solo e, de quebra, mandar informações para o cérebro do
míssil seguinte acertar o alvo com
mais rapidez.
Tinha de aturar isso: a vergonha de
não saber como se resolve uma simples regra-de-três, de somar duas frações decimais e ver dezenas de mísseis cruzando os céus de Bagdá, todos
eles mais inteligentes do que eu. O
que não chega a ser uma grande
vantagem.
Pretendia evitar o assunto único.
Não foi possível. Nem mesmo perguntar, mais uma vez, onde estão os
ossos de Dana de Teffé.
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