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São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Assunto único

RIO DE JANEIRO - Tão nefasto como o pensamento único, o assunto único é também um saco, principalmente para os que escrevem e os que lêem. Comentar a guerra no Iraque, falar mal de Bush, lamentar as vidas humanas sacrificadas à estupidez dos governantes -tudo isso é necessário, mas cansa.
A panorâmica é a mesma em todos os veículos da mídia. Explosões em Bagdá, soldados em ação, especialistas disso e daquilo explicando as táticas empregadas pelos contendores -e é nesse departamento que me espanto, como um burro diante de um palácio.
Um sujeito em Lisboa, na TV portuguesa, ensina ao Estado Maior aliado tudo o que deve ser feito para acabar com o Iraque. Um outro, na CNN, veterano do Vietnã, onde deixou uma orelha decepada por um vietcongue, garante que a 3ª Divisão de Blindados vai fazer isso ou aquilo. E até mesmo um técnico em armamentos, que mora no Andaraí-Leopoldo, aqui no Rio, explica que os mísseis usados no primeiro dia da guerra, tal como os iogurtes e a presuntada em lata, estavam com o prazo de validade vencido.
A massa de informações é impressionante e tem a vantagem -ou desvantagem- de dispersar o horror que a guerra nos causa. Perdi tempo ouvindo um especialista em balística descrever como um míssil inteligente é capaz de realizar, em frações de segundo, uma complicada equação matemática, uma leitura precisa da topografia do solo e, de quebra, mandar informações para o cérebro do míssil seguinte acertar o alvo com mais rapidez.
Tinha de aturar isso: a vergonha de não saber como se resolve uma simples regra-de-três, de somar duas frações decimais e ver dezenas de mísseis cruzando os céus de Bagdá, todos eles mais inteligentes do que eu. O que não chega a ser uma grande vantagem.
Pretendia evitar o assunto único. Não foi possível. Nem mesmo perguntar, mais uma vez, onde estão os ossos de Dana de Teffé.


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