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O novo marco regulatório da educação superior
MARIA PAULA DALLARI BUCCI e RONALDO MOTA
A função realmente capaz de garantir que os cursos satisfaçam a razão pela
qual foram autorizados é a avaliação de qualidade
O MINISTÉRIO da Educação
vem operando profunda reformulação do marco regulatório
da educação superior.
Nas palavras do ministro Fernando
Haddad, passa-se do paradigma de
que "o Estado avalia e o mercado regula" para uma noção mais afinada
com o comando contido no artigo 209
da Constituição Federal, de que "o
Estado avalia e o Estado regula".
Para isso, definiram-se claramente
três atribuições do MEC em relação à
educação superior: regulação, avaliação e supervisão.
No passado recente, o ministério
concentrava atenção na regulação,
nos aspectos formais da abertura de
instituições e cursos. A autorização
dava-se principalmente com base em
papéis, considerando que o projeto é
apenas uma promessa.
A função realmente capaz de garantir que os cursos satisfaçam a razão
pela qual foram autorizados é a avaliação de qualidade, renovável periodicamente, conforme dispõe a LDB.
A avaliação ganhou muito em profundidade com a instituição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), pela lei nº
10.861/2004, que criou o Exame Nacional de Estudantes (Enade), visando aferir o desempenho efetivo dos
alunos, complementado com a avaliação de cursos e instituições.
A última função que compõe o tripé
é a supervisão, que permite ao MEC, a
qualquer tempo, pedir informações e
determinar as providências necessárias para saneamento das deficiências
eventualmente detectadas em instituições e cursos.
O decreto nº 5.773/2006 passou a
relacionar regulação e avaliação, prevendo que as avaliações do Sinaes gerem conseqüências. Resultados insatisfatórios poderão impedir o recredenciamento de instituição ou renovação de reconhecimento de curso.
O MEC passa a desempenhar ativamente sua parcela de responsabilidade pela fiscalização da educação superior, voltando sua atenção à realidade
acadêmica dos estudantes e do funcionamento concreto dos cursos.
O MEC desencadeou, em outubro
passado, a supervisão dos cursos de
direito com avaliações insatisfatórias
no Enade, motivado por manifestações da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), entre outras.
Os 89 cursos de direito com resultados abaixo do mínimo foram convocados a explicar as razões disso e propor medidas para o saneamento das
deficiências. Foi constituída uma comissão de especialistas, que assessorou a Secretaria de Educação Superior (SESu) a analisar a consistência
das medidas propostas, confrontando-as com informações colhidas em
visitas in "loco".
Algumas instituições já assinaram
termo de compromisso com o MEC,
com prazo máximo de um ano, ao final do qual receberão nova visita para
verificar o cumprimento das providências. Estas, diga-se, muito concretas, incluem diminuição do número
de vagas (cerca de 6.300 até o momento), contratação de professores
com titulação e ampliação de acervo
bibliográfico, entre outras, de modo
que resultem em melhoria rápida e
consistente do ensino.
Ao final do prazo, se não obtido o
saneamento, o MEC instaurará processo administrativo, que poderá resultar no fechamento do curso, garantidos, evidentemente, o contraditório
e a ampla defesa.
Essas iniciativas de supervisão representam o que há de mais inovador
em relação às práticas anteriores, na
medida em que servem, mais do que a
aplicar medidas sancionatórias de fechamento de cursos (o que alguns
segmentos da sociedade sugerem),
para induzir a melhoria efetiva de sua
qualidade e, conseqüentemente, da
formação de pessoal de nível superior, tão necessária para o desenvolvimento do país.
Por fim, cumpre noticiar que esse
conjunto de iniciativas vem passando
pelo teste realmente decisivo em relação a qualquer marco regulatório, que
é o do Poder Judiciário.
Emblemática é a afirmação da juíza
da 13ª Vara Federal: "É legítimo o
procedimento instaurado pela SESu/MEC, nos limites do poder de polícia a ela por lei conferido, tendente à
apuração de possíveis deficiências
nos cursos jurídicos", decisão confirmada pelo Tribunal Regional Federal
da 1ª Região: "Detectado o problema
em uma área específica, tem a administração que atuar".
MARIA PAULA DALLARI BUCCI, 44, mestre e doutora em
direito pela USP, é consultora jurídica do Ministério da
Educação.
RONALDO MOTA, 52, doutor em física pela University of
British Columbia e pela University of Utah, professor titular da Universidade Federal de Santa Maria (RS), é o secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação.
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