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CARLOS HEITOR CONY
O Estado laico
RIO DE JANEIRO - Ainda a propósito da excomunhão dos médicos
que praticaram aborto legal numa
menina de 9 anos, estuprada pelo
padrasto, uma das besteiras mais
divulgadas por comentaristas de diversos feitios e tamanhos é a de que
o Estado é leigo. Sim, é leigo desde a
Proclamação da República, mas se
comprometeu, em todas as Constituições republicanas, a respeitar a
liberdade de crença e de culto.
Como o candomblé, as muitas
seitas espíritas e os diversos ramos
do protestantismo, incluindo a proliferação dos ritos evangélicos, o catolicismo romano tem uma visão do
homem e da sociedade apoiada nos
textos bíblicos, na literatura patrística e no próprio (e acidentado) percurso na história do ocidente ao
longo de 2.000 anos
Uma excomunhão, como já lembrei aqui, na crônica "Comunhão e
excomunhão", só diz respeito ao católico romano praticante, que aceita livremente o núcleo de uma doutrina que frequentemente discorda
e até mesmo agride o estágio da
ciência e da moral de determinadas
épocas.
Entre outras asneiras, li que o arcebispo de Recife condenou ao inferno a vítima do estupro. Nem o
papa tem poder de condenar quem
quer que seja ao inferno. É uma
atribuição de Deus que nem sempre acompanha o juízo de nenhum
dos cultos existentes em seu nome.
Como agnóstico militante, mas
formado em um contexto cristão e
católico, compreendo -mas não
chego a justificar- o ato daquele
arcebispo.
Fazendo reportagem sobre o candomblé da Bahia, assessorado por
Jorge Amado, fui impedido de entrar num recinto dedicado a Oxalá.
Teria de me submeter a ritos complicados, a descargas que me tornassem digno de penetrar em sítio
tão sagrado. Não me senti prejudicado no meu direito de ir e vir que o
Estado leigo me garante.
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