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MARCOS NOBRE
O papa vai à guerra
O PAPA ESTÁ reunindo seu
exército. Primeiro, invocou
os mortos: padres e freiras
aliados do ditador Francisco Franco na Guerra Civil Espanhola. Depois, reabilitou os excomungados
integristas, cujo líder nega o Holocausto nazista. Agora, aliou-se às
forças obscurantistas que rejeitam
o uso da camisinha como meio eficaz de proteção contra a Aids. Na
mesma África que viu a Igreja Católica, durante séculos, exercer o
papel de principal aliada da rapina
escravagista.
É um chamamento a uma nova
cruzada. E o raciocínio do papa tem
se mostrado de uma cristalina simplicidade: mais vale um exército
menor, mas mais aguerrido, do que
uma multidão de crentes com pouca disposição para o combate.
Seu antecessor, João Paulo 2º,
respondeu ao desafio dos fundamentalismos religiosos com uma
volta ao mistério do sagrado, mas
também com o diálogo ecumênico.
O então cardeal Ratzinger impôs o
silêncio obsequioso aos que divergiam da sua orientação e substituiu
um a um os bispos mais críticos.
Escolhido papa, Bento 16 responde
aos fundamentalismos religiosos
com a criação de um fundamentalismo católico.
Não há dúvida de que, como fenômeno social, a fé declinou no último século. Mas prossegue sendo
uma referência essencial para a vida da grande maioria das pessoas.
A mudança realmente decisiva se
deu na maneira de demonstrar
essa fé.
Hoje é muito comum as pessoas
transitarem de uma religião para
outra. Ou se declararem membros
de uma determinada religião e, ao
mesmo tempo, frequentarem rituais e cultos de outras religiões. É
muito comum também que crentes não aceitem integralmente os
preceitos de conduta de vida de
suas religiões sem por isso deixarem de se identificar com sua adesão religiosa.
A fidelidade -o atributo essencial da fé- não é mais simplesmente a uma religião, mas, antes, à
transcendência, ao sagrado e ao
místico. Não se trata apenas de tolerar externamente a existência de
outras religiões, mas de aceitar a
ideia de que é possível e legítimo
expressar a fé de diferentes maneiras, em diferentes religiões. Essa
nova forma da tolerância religiosa
mostra que é possível uma certa separação entre fé e religião sem que
elas desapareçam por isso.
O fundamentalismo religioso
prega uma completa identificação
de fé e religião. É uma recusa da
forma atual do pluralismo religioso
e político. O fundamentalismo praticado hoje pelo Vaticano destrói
não apenas milhões de vidas. Destrói também as bases de uma convivência tolerante que levou séculos para ser construída.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras
nesta coluna.
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