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O âmago da inflação
ANTONIO DELFIM NETTO
Há uma intensa discussão sobre
qual deve ser a taxa de juro nominal
para produzir uma dada taxa de juros
real num período determinado, digamos um ano. Isso envolve, obviamente, uma estimativa da inflação para os
próximos 12 meses. Por que é preciso
conhecer a taxa de juros real? Porque
é ela que influencia a economia real: o
nível de consumo, o nível dos estoques, o nível dos investimentos, o nível das importações (por meio do efeito sobre o consumo, produção, estoques e investimento).
A taxa de juro nominal de curto prazo é um dos instrumentos à disposição dos bancos centrais para realizar a
política monetária que influencia,
também, a taxa de juro de longo prazo. O Banco Central tem, portanto,
dois problemas: 1) qual a taxa de juro
real de curto prazo que leva a economia a comportar-se desta ou daquela
maneira? e 2) qual a expectativa de inflação que deve ser utilizada? Assim,
por exemplo, se ele supuser que a taxa
de juro real deve ser de 12% e a inflação esperada nos próximos 12 meses é
de 15%, ele deve fixar uma taxa de juro nominal de 28,8% (1,12 x 1,15 =
1,288).
Essa coisa tão simples transforma-se
num inferno quando: 1) os agentes
são dominados pela mitologia de que
não pode haver juros reais negativos
em qualquer período de tempo, 2) há
uma multidão de índices de preços à
disposição. Assim, por exemplo, um
ilustre economista patrício escreveu
que "se o IGP-M (o Índice Geral de
Preços de Mercado) registrou 3,61%
de crescimento em fevereiro, a inflação anualizada foi de 53% ao ano, o
que mostra que os 45% atuais produziriam um juro real negativo". Essa
proposição -ainda que aritmeticamente correta- contém defeitos econômicos graves e perigosos.
O IGP-M é um simples artefato estatístico, altamente influenciado pelas
tabelas de preços de atacado, que por
sua vez são determinadas pela expectativa da taxa de câmbio; ele contém
forte variação estacional; e, mais importante, o que se deseja não é a projeção da inflação passada e morta,
mas expectativa da inflação futura.
Todos os países cujos bancos centrais
utilizam a política do "objetivo inflacionário" ("target inflation") comprometem-se com o único índice que
faz sentido econômico, o do custo de
vida, e ainda fazem "correções" de
preços altamente voláteis ou flutuações acidentais, para obter o âmago
da inflação ("core inflation"). A tabela abaixo mostra algumas dessas
correções aplicadas ao índice de custo
de vida:
Fica claro, portanto, que o "âmago" da inflação perseguido e que revela a "expectativa inflacionária" é
sempre o índice do custo de vida corrigido dos fatores acidentais (mudança de preços relativos produzida por
uma desvalorização cambial brusca,
uma seca ou uma enchente) ou por
fatores fora do controle, como o preço
do petróleo.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta
coluna.
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