São Paulo, quarta, 24 de março de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O âmago da inflação

ANTONIO DELFIM NETTO

Há uma intensa discussão sobre qual deve ser a taxa de juro nominal para produzir uma dada taxa de juros real num período determinado, digamos um ano. Isso envolve, obviamente, uma estimativa da inflação para os próximos 12 meses. Por que é preciso conhecer a taxa de juros real? Porque é ela que influencia a economia real: o nível de consumo, o nível dos estoques, o nível dos investimentos, o nível das importações (por meio do efeito sobre o consumo, produção, estoques e investimento).
A taxa de juro nominal de curto prazo é um dos instrumentos à disposição dos bancos centrais para realizar a política monetária que influencia, também, a taxa de juro de longo prazo. O Banco Central tem, portanto, dois problemas: 1) qual a taxa de juro real de curto prazo que leva a economia a comportar-se desta ou daquela maneira? e 2) qual a expectativa de inflação que deve ser utilizada? Assim, por exemplo, se ele supuser que a taxa de juro real deve ser de 12% e a inflação esperada nos próximos 12 meses é de 15%, ele deve fixar uma taxa de juro nominal de 28,8% (1,12 x 1,15 = 1,288).
Essa coisa tão simples transforma-se num inferno quando: 1) os agentes são dominados pela mitologia de que não pode haver juros reais negativos em qualquer período de tempo, 2) há uma multidão de índices de preços à disposição. Assim, por exemplo, um ilustre economista patrício escreveu que "se o IGP-M (o Índice Geral de Preços de Mercado) registrou 3,61% de crescimento em fevereiro, a inflação anualizada foi de 53% ao ano, o que mostra que os 45% atuais produziriam um juro real negativo". Essa proposição -ainda que aritmeticamente correta- contém defeitos econômicos graves e perigosos.
O IGP-M é um simples artefato estatístico, altamente influenciado pelas tabelas de preços de atacado, que por sua vez são determinadas pela expectativa da taxa de câmbio; ele contém forte variação estacional; e, mais importante, o que se deseja não é a projeção da inflação passada e morta, mas expectativa da inflação futura. Todos os países cujos bancos centrais utilizam a política do "objetivo inflacionário" ("target inflation") comprometem-se com o único índice que faz sentido econômico, o do custo de vida, e ainda fazem "correções" de preços altamente voláteis ou flutuações acidentais, para obter o âmago da inflação ("core inflation"). A tabela abaixo mostra algumas dessas correções aplicadas ao índice de custo de vida:
Fica claro, portanto, que o "âmago" da inflação perseguido e que revela a "expectativa inflacionária" é sempre o índice do custo de vida corrigido dos fatores acidentais (mudança de preços relativos produzida por uma desvalorização cambial brusca, uma seca ou uma enchente) ou por fatores fora do controle, como o preço do petróleo.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.