São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

Telê

RIO DE JANEIRO - Eu era moço, quase da mesma idade de Telê, que jogava na ponta-direita do Fluminense. No campeonato carioca de 1951, o "timinho" de Zezé Moreira foi campeão e deu o primeiro título a Telê. Em muita coisa ele foi a "primeira vez". O futebol adotava o WM, adaptado por Flávio Costa com a diagonal. Telê foi o primeiro ponta a jogar recuado e, em certos jogos, atuava como centroavante. Foi nesta posição que decidiu a final do campeonato, fazendo os dois gols que deram o título ao meu time.
Mais que magro, esquelético, levava o Fluminense nas costas -um time que tinha Didi, Pinheiro, Orlando e Carlyle. No returno do campeonato, num jogo com o Madureira, fiz uma coisa que jamais imaginara fazer. Na geral do campo do tricolor, pulamos, uns 50 torcedores, e levamos Telê nos ombros. Foi a primeira e única vez que o entusiasmo venceu a apatia que eu trouxe do berço e levarei para o túmulo.
O Fluminense precisava da vitória, tinha o Botafogo com Garrincha e Nilton Santos nos calcanhares, e o Bangu, com Zizinho, empatado na liderança. O Madureira abriu com dois a zero no primeiro tempo. Nunca vi nem veria individualmente um jogador virar o placar.
A galera derrubou o alambrado, eu no meio. Pegamos Telê nos ombros, empurrei e fui empurrado, mas consegui apoiar no ombro uma de suas pernas suadas e ossudas. Demos a volta no campo. Foi, como disse, uma façanha inédita, que nunca mais se repetiria.
Zagalo também era ponta ( esquerda) e começou jogando recuado. Os dois se tornaram técnicos depois. Zagalo sendo o que é. Telê sacrificando a carreira por um futebol sem violência, um futebol arte, primo-irmão do balé.
Armou a melhor seleção de todos os tempos, a de 82, com Falcão, Zico, Sócrates, Cerezo... Não trouxemos a Copa, mas seu time foi considerado unanimemente o melhor daquele torneio. Ganharia depois outros títulos mundiais no São Paulo.
Ajudei anonimamente a levar Telê em triunfo naquela tarde de glória para ele e para mim.


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