|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
As drogas e uma esperança verdadeira
DOM FILIPPO SANTORO
Diante da explosão de vida que nasce da cruz e atinge a todos, como são pálidas as polêmicas que querem atingir o papa
QUE sentido tem uma vida que
corre para a morte como última palavra, como fim do nosso
destino? O nosso coração não quer isso, deseja algo mais, deseja o infinito,
mas sozinho percebe ser destinado a
morrer. O grande e positivo progresso
do mundo fica mudo diante do enigma da morte; muitos preferem exorcizá-la na distração e na correria desenfreada para não pensar nisso.
De um lado domina o puro interesse pessoal e a busca de tudo aquilo que
é instintivo, promovido pelo mercado. Do outro, buscam-se excitações
sempre mais fortes que não preenchem o coração. Para muitos, as perguntas fundamentais do coração são
adormecidas pela rotina cotidiana ou
substituídas por álcool e drogas.
Quero me deter um pouco sobre o
tema das drogas porque é sintomático
da situação em que vivemos e volta
sempre ao debate na nossa sociedade.
O governador do Estado do Rio de
Janeiro, em algumas ocasiões, fez referência às drogas leves. Durante sua
visita a Petrópolis, tive, depois de sua
palestra na Universidade Católica, a
oportunidade de questioná-lo e de pedir esclarecimentos sobre essa questão muito delicada.
Ele respondeu que o seu objetivo
não é liberalizar indiscriminadamente as drogas leves, mas abrir uma ampla discussão sobre o tema. Assim se
evitaria que a questão fosse ignorada
pela sociedade, deixando o tráfico
correr solto com o seu rasto incontrolado de lucro e de morte.
É verdade! É mesmo necessário um
debate sério e bem documentado em
alto nível, que envolva todas as forças
sadias da sociedade, porque muitas
famílias estão sendo atingidas e destruídas por esse triste fenômeno.
No último dia 18 de março, em sua
edição do domingo, o conceituado
diário britânico "The Independent",
jornal da esquerda radical, famoso
por suas posições contra a guerra do
Iraque e o aquecimento global, publicou, na capa, junto com uma folha de
maconha, um pedido de desculpa:
"Cannabis, an apology".
As desculpas eram pelo fato de o
jornal ter lançado, há dez anos, uma
campanha de despenalização da maconha, que pressionou o governo a
considerá-la entre as drogas leves.
Agora o "Independent" se arrepende
por ter pedido e promovido a despenalização e lança o alarme sobre os
efeitos desastrosos da "cannabis" sobre o organismo e a psique humana.
Neste ano, mais de 22 mil pessoas
se submeteram, na Inglaterra, a uma
terapia de desintoxicação desta substância e dos seus derivados, que podem causar graves perdas de memória e verdadeiros efeitos psicóticos.
Considerada a difusão da maconha,
sobretudo entre os adolescentes, o fenômeno assumiu aspectos muito
preocupantes, visto que o número das
hospitalizações por distúrbios mentais subiu de 581, em 2001, a quase
mil, no ano passado.
O problema da droga tem a ver com
o problema da felicidade e do tipo de
felicidade que queremos oferecer aos
nossos cidadãos e, em particular, aos
nossos jovens? A felicidade do instinto imediato do lucro e do consumo?
Ou é ainda possível um outro caminho? Todos afirmamos querer construir uma sociedade mais justa e solidária, mas como isso será possível se,
em muitas instâncias, inclusive no
mundo da educação, se ignoram as
perguntas básicas da consciência?
Como construir algo novo quando
sistematicamente são destruídas todas as certezas, lançando as pessoas
apenas nas mãos do mercado e do poder? Mas a morte é mesmo uma certeza! Será preciso algo que salve a dignidade do eu e o seu desejo de infinito.
Será preciso alguém que leve a sério o
coração do homem.
A Igreja proclama que na história
existe alguém assim. Sem tirar nada
dos limites da condição humana, algumas pessoas começaram a experimentar a presença de alguém que
olha com simpatia o coração e o acolhe num abraço infinito.
Assim, como um encontro, nasce a
proposta de Cristo que se oferece às
exigências da razão e aos anseios do
coração inquieto. Alguém como nós
se doa totalmente, até a morte, até o
fim e abre a todos um caminho novo,
cheio de esperança. É como Bento 16
continua repetindo: "Deus é eros e
agape", desejo apaixonado do coração
do homem e da sua felicidade e agape
como dom supremo e total de sua vida
aos pobres e aos famintos de realização plena e não barata.
Diante dessa explosão de vida que
nasce da cruz e atinge a todos, em particular aos pobres, como são pálidas
as polêmicas que querem atingir o papa. Ele proclama que o encontro histórico com Jesus, possível hoje também na relação com o corpo constituído pelas suas testemunhas, longe
de ser algo opressor, é luz que esclarece plenamente -porque abraça o drama da morte- os passos decisivos da
experiência humana e da sociedade.
Além das polêmicas contingentes,
estamos diante de uma grande esperança para todos.
DOM FILIPPO SANTORO é bispo de Petrópolis (RJ) e faz
parte da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da
CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Foi
professor de teologia da PUC-RJ (Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Gilberto Dupas: Proibir ou compreender Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|