São Paulo, terça-feira, 24 de abril de 2007

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As drogas e uma esperança verdadeira

DOM FILIPPO SANTORO

Diante da explosão de vida que nasce da cruz e atinge a todos, como são pálidas as polêmicas que querem atingir o papa

QUE sentido tem uma vida que corre para a morte como última palavra, como fim do nosso destino? O nosso coração não quer isso, deseja algo mais, deseja o infinito, mas sozinho percebe ser destinado a morrer. O grande e positivo progresso do mundo fica mudo diante do enigma da morte; muitos preferem exorcizá-la na distração e na correria desenfreada para não pensar nisso.
De um lado domina o puro interesse pessoal e a busca de tudo aquilo que é instintivo, promovido pelo mercado. Do outro, buscam-se excitações sempre mais fortes que não preenchem o coração. Para muitos, as perguntas fundamentais do coração são adormecidas pela rotina cotidiana ou substituídas por álcool e drogas.
Quero me deter um pouco sobre o tema das drogas porque é sintomático da situação em que vivemos e volta sempre ao debate na nossa sociedade.
O governador do Estado do Rio de Janeiro, em algumas ocasiões, fez referência às drogas leves. Durante sua visita a Petrópolis, tive, depois de sua palestra na Universidade Católica, a oportunidade de questioná-lo e de pedir esclarecimentos sobre essa questão muito delicada.
Ele respondeu que o seu objetivo não é liberalizar indiscriminadamente as drogas leves, mas abrir uma ampla discussão sobre o tema. Assim se evitaria que a questão fosse ignorada pela sociedade, deixando o tráfico correr solto com o seu rasto incontrolado de lucro e de morte.
É verdade! É mesmo necessário um debate sério e bem documentado em alto nível, que envolva todas as forças sadias da sociedade, porque muitas famílias estão sendo atingidas e destruídas por esse triste fenômeno.
No último dia 18 de março, em sua edição do domingo, o conceituado diário britânico "The Independent", jornal da esquerda radical, famoso por suas posições contra a guerra do Iraque e o aquecimento global, publicou, na capa, junto com uma folha de maconha, um pedido de desculpa: "Cannabis, an apology".
As desculpas eram pelo fato de o jornal ter lançado, há dez anos, uma campanha de despenalização da maconha, que pressionou o governo a considerá-la entre as drogas leves.
Agora o "Independent" se arrepende por ter pedido e promovido a despenalização e lança o alarme sobre os efeitos desastrosos da "cannabis" sobre o organismo e a psique humana.
Neste ano, mais de 22 mil pessoas se submeteram, na Inglaterra, a uma terapia de desintoxicação desta substância e dos seus derivados, que podem causar graves perdas de memória e verdadeiros efeitos psicóticos.
Considerada a difusão da maconha, sobretudo entre os adolescentes, o fenômeno assumiu aspectos muito preocupantes, visto que o número das hospitalizações por distúrbios mentais subiu de 581, em 2001, a quase mil, no ano passado.
O problema da droga tem a ver com o problema da felicidade e do tipo de felicidade que queremos oferecer aos nossos cidadãos e, em particular, aos nossos jovens? A felicidade do instinto imediato do lucro e do consumo? Ou é ainda possível um outro caminho? Todos afirmamos querer construir uma sociedade mais justa e solidária, mas como isso será possível se, em muitas instâncias, inclusive no mundo da educação, se ignoram as perguntas básicas da consciência?
Como construir algo novo quando sistematicamente são destruídas todas as certezas, lançando as pessoas apenas nas mãos do mercado e do poder? Mas a morte é mesmo uma certeza! Será preciso algo que salve a dignidade do eu e o seu desejo de infinito. Será preciso alguém que leve a sério o coração do homem.
A Igreja proclama que na história existe alguém assim. Sem tirar nada dos limites da condição humana, algumas pessoas começaram a experimentar a presença de alguém que olha com simpatia o coração e o acolhe num abraço infinito.
Assim, como um encontro, nasce a proposta de Cristo que se oferece às exigências da razão e aos anseios do coração inquieto. Alguém como nós se doa totalmente, até a morte, até o fim e abre a todos um caminho novo, cheio de esperança. É como Bento 16 continua repetindo: "Deus é eros e agape", desejo apaixonado do coração do homem e da sua felicidade e agape como dom supremo e total de sua vida aos pobres e aos famintos de realização plena e não barata.
Diante dessa explosão de vida que nasce da cruz e atinge a todos, em particular aos pobres, como são pálidas as polêmicas que querem atingir o papa. Ele proclama que o encontro histórico com Jesus, possível hoje também na relação com o corpo constituído pelas suas testemunhas, longe de ser algo opressor, é luz que esclarece plenamente -porque abraça o drama da morte- os passos decisivos da experiência humana e da sociedade.
Além das polêmicas contingentes, estamos diante de uma grande esperança para todos.


DOM FILIPPO SANTORO é bispo de Petrópolis (RJ) e faz parte da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Foi professor de teologia da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).

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