São Paulo, quinta-feira, 24 de abril de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Alertas do passado

ALBERTO VELOSO

É pequena a probabilidade de grandes destruições por aqui, mas isso é só estatística que, por vezes, a natureza teima em desconsiderar

CONSIDERÁVEL porção do território brasileiro acaba de ser sacudida por um terremoto de magnitude 5,2, com epicentro no mar, a mais de 200 km da costa paulista. Surpresa para muitos, preocupação para outros, mas logo quase tudo cairá no esquecimento.
O título deste artigo corresponde a um dos capítulos de livro em fase de preparação sobre tremores de terra no Brasil. Muitos se surpreenderão com as informações lá contidas.
Longe de qualquer alarmismo, são apresentados fatos e reinterpretações de acontecimentos ligados aos efeitos de antigos terremotos brasileiros: alteração da topografia do solo, modificação do nível do mar, deslizamentos de terra, destruição de construções, pessoas feridas e mortas.
Ninguém gosta de relembrar coisas ruins. Esquecer terremotos faz parte dessa lista, e isso vale até para os países onde eles acontecem com freqüência. Mas alguns têm de continuar pensando e pesquisando sobre o assunto e, nesse caso, o problema está nas mãos dos sismólogos brasileiros.
Diferentemente de anos atrás, muitos já sabem por que o Brasil tem poucos terremotos. Estamos localizados quase no meio de uma grande placa tectônica, distante de seus limites, onde os terremotos são mais freqüentes e extraordinariamente maiores.
A situação de baixo risco não é imutável. Regiões intraplacas -"grosso modo" similares ao Brasil- já foram perturbadas por grandes terremotos: EUA, Austrália, Índia e China. Isso não é condição determinante para esperarmos o mesmo, mas não se pode negar que há um perigo latente, que pode se manifestar amanhã ou aflorar só para gerações que nem nasceram.
Sabe-se que os terremotos podem acontecer em qualquer lugar e não necessariamente precisam ter magnitudes elevadas para ocasionar danos severos. Ter seu epicentro localizado abaixo ou próximo de uma cidade de porte, com edificações precárias, talvez seja o principal fator para aumentar seu poder de destruição.
A probabilidade desse cenário para o Brasil é pequena, considerando o tamanho das concentrações urbanas em relação à extensão do país e o baixo número de tremores de terra. Mas isso é só estatística que, muitas vezes, a natureza teima em desconsiderar.
Na metade da década de 1950, foram registrados os dois maiores terremotos brasileiros, com magnitudes 6,2 e 6,1. Em um intervalo inferior a 80 anos ocorreram dez outros, com magnitudes entre 5 a 5,5. Danos vultosos se devem creditar ao tremor de João Câmara, no Rio Grande do Norte, em 30/11/86. Foram 4.348 edificações danificadas em uma cidade que ficou deserta -a maioria de seus habitantes fugiu, trazendo problemas sociais de toda espécie.
Terremotos como o de anteontem não são infreqüentes na margem continental brasileira. Basta lembrar de um em 28/2/55, no Espírito Santo, com magnitude de 6,1; um em Santa Catarina, em 28/6/39, com magnitude de 5,5; outro no Rio Grande do Sul, em 12/2/90, de 5; e um no Rio de Janeiro, no dia 24/10/72, de 4,8.
Dezenas de eventos menores são comumente registrados em frente aos Estados costeiros do Espírito Santo até Santa Catarina. Informações centenárias dão conta de outros terremotos importantes, um deles sentido em Vitória (ES), em 1767, com provável epicentro próximo ao de 1955, mas com magnitude possivelmente maior.
Abalos sísmicos distantes da costa não costumam trazer grandes problemas para os habitantes das regiões litorâneas. Pelo menos tem sido assim: muitos sustos, alguns contratempos e estragos de pequena monta.
Mas é preciso lembrar que, na atualidade, mais do que nunca, nossos olhos estão direcionados justamente para as águas do Atlântico, mais precisamente para as enormes riquezas -não totalmente dimensionadas- encobertas por milhares de metros de água e rochas, como gás e petróleo.
É de esperar que a indústria petrolífera tenha um de seus olhos mirando nossos tremores de terra, também.
A presença desses fenômenos naturais na margem continental deve ser um dos fatores na avaliação do risco a que está sujeita a complexa infra-estrutura existente e planejada para nossas bacias petrolíferas marinhas.
Em uma tarde de domingo, um importante governante do país sentiu um terremoto, se interessou pelo assunto e incentivou outras pessoas a estudar o tema. Desde então, houve muito progresso e se aprendeu bastante a respeito de nossos tremores de terra. Mas, como esses fenômenos vão continuar acontecendo, nada melhor do que seguir as recomendações daquela antiga autoridade: estudá-los. Afinal, o pedido partiu, nada mais, nada menos, do que de um imperador: Sua Majestade, d. Pedro 2º.


ALBERTO VELOSO, 64, geólogo e geofísico, mestre em geofísica e professor aposentado da UnB (Universidade de Brasília), é o criador do Observatório Sismológico dessa universidade.

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