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TENDÊNCIAS/DEBATES
Foi positivo o desempenho de Gilmar Mendes na presidência do STF?
SIM
Ministro não se pautou por arbitrariedades
JOSÉ ROBERTO BATOCHIO
GILMAR Mendes sai da presidência do Supremo Tribunal
Federal (STF) com grande merecimento, mas não assaz louvado e
equitativamente reconhecido.
Tivesse se pautado por arbitrariedades punitivas -que tanta popularidade têm carreado a seus fautores- e
por desrespeito às garantias dos cidadãos, seria ungido com a complacência que ao rivalizar com o merecimento sempre perde para a inveja.
Mesmo vindo da carreira dos que
patrocinam a persecução penal em
nome do Estado e que diariamente
deduzem pretensões de punir e prender, Gilmar Mendes logo se mostrou
despido da vocação repressiva do Ministério Público para encarnar a figura do juiz imparcial, sobranceiro,
orientado pelo compromisso com a
intangibilidade da ordem constitucional e preocupado em fazer justiça:
"Fiat justitia, pereat mundus" (faça-se justiça, ainda que pereça o mundo).
Em seus oito anos no Supremo Tribunal Federal, os dois últimos na presidência da corte, não se vislumbra
uma só decisão que atente contra o
Estado democrático de Direito e as
garantias fundamentais do cidadão.
O injuriador mais talentoso e o difamador mais audaz não conseguiriam, jamais, pespegar-lhe a pecha de
desrespeito às leis que bem interpreta
e aplica. Ao contrário, nos atos jurisdicionais, como juiz consciente, e nos
pronunciamentos públicos, como
chefe de Poder, por mais veementes
que tenham sido suas oportunas intervenções, foi sempre exarada a convicção de um juiz devoto à lei e mouco
ao alarido da turbamulta, que Rui
Barbosa chamou de "a execrável
justiça das ruas".
Um episódio, em particular, atraiu
contra o impecável ministro a cólera
industriada: a justa concessão de medida liminar em habeas corpus, ordenando a libertação de um banqueiro
às 11 horas da noite.
As decisões de Gilmar Mendes no
processo foram a seguir referendadas
pelo plenário do Supremo, com uma
exceção que impediu a unanimidade,
e sua reputação jurídica defendida,
entre outras iniciativas, por um manifesto assinado por mais de 170 advogados e juristas.
A audácia inaceitável do presidente
do Supremo fora cortar, com a espada
da Justiça, a teia cavilosa de uma pirotecnia policial, tecida em segredo e
vazada em sânscrito metafísico como
Operação Satiagraha-executada, como já foi dito, por autoridades justiceiras e messiânicas que pareciam
querer encarnar a taumaturgia de Antônio Conselheiro em Canudos.
O despacho do presidente do STF
deferindo a provisão jurisdicional de
urgência para libertar o banqueiro
considerou a prisão desnecessária e
sem suporte legal, como, de resto, o
são a maioria das prisões que se editam sob a luz inebriante de câmeras...
A nossa época, para tomar de empréstimo a célebre expressão de Eric
Hobsbawm, é uma era dos extremos.
Ao mesmo tempo em que, na política, desfrutamos de sólidas liberdades
democráticas, o aparelho de Estado
se inclina a recidivas autoritárias.
Repete-se, também como tragédia,
uma era de arbitrariedades, prisões
discricionárias, interceptações telefônicas profusas, osmóticas, sem limites, ilegais, e até mesmo inquéritos
sigilosos que mais adequadamente
poder-se-iam denominar autos de fé.
Se, na ditadura militar, vigoravam
decretos secretos, hoje o sistema judiciário é profanado por feitos criminais clandestinos. O indiciado -em
seguida réu- lê nos jornais, vazadas
por autoridades, as acusações mais
infamantes, mas a seus advogados é
vedado o acesso aos autos.
Até instituições de libertárias tradições, com quadros diretivos contaminados pelas "vozes da rua", pedem
prisão preventiva de investigados que
nem sequer sabem do que estão
sendo acusados. O ministro Gilmar
Mendes presidiu o Supremo com o
lustro de verdadeiro chefe de Poder
da República, altivo e independente.
Serviu ao direito acima de tudo e
não se deixou seduzir pela instrumentalização da jurisdição, baseada
na patranha de que justiça é a da turba, passional e volúvel. Tampouco pelo discurso fácil de que, nos pretórios,
a vontade da lei deve ser "flexibilizada" para realizar a vontade popular.
Essa tarefa é dos legisladores, não dos juízes.
JOSÉ ROBERTO BATOCHIO, 66, advogado, foi presidente
do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil, de 1993 a 1995) e deputado federal pelo PDT (1998-2002).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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