São Paulo, quinta-feira, 24 de maio de 2001

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SÉRGIO DÁVILA

O ovo e a serpente

"Em geral, o que ele busca é meio mãe, meio namorada. (...) Também obtém satisfação estética de garotos e garotas. (...) Outra de suas citações preferidas era um provérbio russo: "Se você vai a uma mulher, não esqueça o chicote"."
O texto continua. "Teatro -ele raramente ia ao teatro. Circo -ele ama o circo. A emoção de atores malpagos arriscando suas vidas é um prazer real para ele. (...) Não liga muito para números com animais, a não ser que tenha uma mulher correndo perigo."
Mais: "Notícias -ele tem uma paixão avassaladora por saber as últimas notícias. Se alguém entra na sala com os jornais mais recentes, é capaz de interromper a reunião mais importante para dar uma folheada nas páginas. (...) Quando vai para a cama, sempre leva vários periódicos ilustrados, incluindo revistas norte-americanas e várias publicações militares e navais".
Estamos falando dos hábitos do ditador nazista Adolf Hitler (1889-1945). Seu dia-a-dia, assim como análises e conclusões que hoje em dia soam ingênuas, corroboradas por um certo dr. Sedgwick, está dissecado em relatórios feitos por vários espiões americanos durante os anos 30 e 40.
Os escritos têm grande valor histórico e humano e estão à disposição no site The Smoking Gun (A Pistola Fumegante; www.thesmokinggun.com), um dos mais iconoclastas e investigativos entre os milhões disponíveis na internet.
O documento foi levado a público há poucas semanas pela CIA, a agência de inteligência dos EUA. Faz parte do War Crimes Disclosure Act, lei de 1998 segundo a qual o governo tem a obrigação de tornar acessíveis registros sobre a Segunda Guerra. Os textos, então secretos, eram preparados pelo Escritório de Serviços Estratégicos, órgão que depois viraria a CIA.
O relatório tem 68 páginas originalmente, o site colocou no ar as 11 mais saborosas, justamente as que tratam do lazer e da vida sexual do führer. Data de 3/12/1942, décimo ano de Hitler no poder, auge da Segunda Guerra e a três anos de sua derrocada.
O texto não fala, mas sabe-se que a única relação regular entre o nazista e uma mulher foi com a alemã Eva Braun, que teria conhecido em 1930, quando ela ainda era uma vendedora adolescente. Ambos viveram juntos de 1936 até 30/4/1945, quando se teriam suicidado no bunker em Berlim. Acredita-se ainda que se tenham casado no dia anterior às mortes.
Hitler proibia Eva Braun de aparecer em público consigo e mesmo de ir a Berlim. Ambos só mantinham encontros íntimos no retiro do nazista em Berchtesgarden, na Baviera. É ali, aliás, que se passa um dos filmes mais interessantes sobre o ditador. Em "Moloch", o russo Alexander Sokurov retrata um fim de semana imaginário entre Hitler, Eva e os amigos Joseph Goebbels e Martin Bormann.
Não há sexo no filme, como não há também em "Taurus", exibido na semana passada em Cannes, em que Sokurov imagina os últimos dias de Lênin -o cineasta parece acreditar que os grandes déspotas do século 20 eram assexuados. Não é o que consta nos relatórios da CIA, o que os torna ainda mais interessantes.
A conclusão do autor (anônimo), baseado no tal dr. Sedgwick e nos relatos dos espiões, é que Adolf Hitler era sexualmente reprimido. Se isso tem relação com o fato de ele ser responsável pelos maiores horrores do século 20, é algo que só outro austríaco famoso poderia explicar.


Sérgio Dávila é colunista e correspondente da Folha em Nova York. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Otavio Frias Filho, que escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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