São Paulo, sexta-feira, 24 de maio de 2002

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JOSÉ SARNEY

A instável estabilidade

No Maranhão, Fernando Viana, grande médico e maior poeta, tinha um jeito irônico de avaliar a realidade. Assim, ficou muito conhecida a sua sentença contraditória quando lhe perguntavam: "Como vão as coisas?". Ele respondia sempre: "Movimento parado".
É o caso da nossa tão decantada estabilidade. O próprio presidente da República, depois da primeira comunhão, ainda sob a emoção da canonização de madre Paulina, afirmou que podemos virar a Argentina, símbolo da desintegração política e do caos econômico.
Fez concluir que o trabalho de estabilização da nossa economia é avaliado como frágil, dependendo não de estruturas sólidas, bases estáveis, mas unicamente na competência do sucessor, numa alusão direta ao candidato do PT, acusado de não ter experiência administrativa. Governar é uma tarefa de equipe e, muitas vezes, a capacidade de ouvir e de avaliar do líder, tendo a humildade de seguir a melhor solução, e não a sua solução, tem dado bons resultados.
Exemplo recente, muito didático, é o México. Em 1994, tornou-se presidente daquele país, exatamente no mesmo momento em que o Brasil mudava de governo, um modesto professor de engenharia, Ernesto Zedillo, escolhido logo após aos assassinatos do candidato Colosio e de Ruiz Massieu, às vésperas das eleições.
Seu primeiro ano de governo foi marcado por uma das piores crises da atribulada história do México. Além da grave situação econômica, o país enfrentava uma dificuldade política séria com o aparecimento da guerrilha zapatista em Chiapas e com os escândalos da administração Salinas. O PIB caiu 6,2%, a inflação atingiu 52%, o déficit nas contas externas era de US$ 30 bilhões contra reservas de US$ 6 bilhões. Todos diziam que o México ia para o fundo do poço.
Mas isso não ocorreu. Zedillo deixou o governo com um legado impressionante. Levou o México à alternância do poder, encerrando um ciclo de 71 anos que Vargas Llosa chamou de "ditadura perfeita". Firmou acordos de livre comércio com a União Européia e com quase todos os países latino-americanos. As exportações saltaram de US$ 60 bilhões para US$ 180 bilhões (3,5 vezes as exportações do Brasil). Um crescimento anual de mais de 5% levou a economia mexicana, em 1994, três quintos da brasileira à época, a ultrapassar a nossa em 20%, tornando-se a primeira do continente latino-americano. A dívida externa representa 50% do valor das exportações, e a brasileira, 500%. O país está em nível de risco bastante baixo, pagando um "spread" de 2,2% contra o nosso, que é de 9,7%. Os juros reais são de 1,5% ao ano, enquanto os nossos são de mais de 12%. O México, com seu PIB de US$ 600 bilhões, é a 13ª economia mundial; o Brasil, que em 1989 era a 8ª, hoje, com US$ 500 bilhões de PIB, pode estar lá para trás da 14ª posição.
É de ontem a decisão de manter os juros no patamar de 18,5%, o antepenúltimo mais alto do mundo. Com esses juros, é impossível haver crescimento e a sobrevivência de competição da empresa privada. Os juros são encargos que atingem 8% do PIB. Nossa dívida já é de 71,3% do PIB. Na década de 90, mergulhamos na estagnação, com crescimento ridículo, como o do ano passado, de 1,5%, e a projeção para este ano, de 2%.
Enquanto não tivermos condições de crescimento sustentável, pelo menos com a média histórica de 5%, e juros reais em níveis ligeiramente superiores à inflação, nossa estabilidade será sempre instável, podendo, aí sim, o sertão virar mar e o Brasil, Argentina.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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