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MARINA SILVA
Ao amado dom Moacyr
Li na Folha (22/5) sua afirmação de que sou frágil e não
tenho perfil para a Presidência
da República. No início, fiquei
triste. Já tinha ouvido algo parecido do senhor, de forma carinhosa, mas ler assim como
está no jornal tem outro peso.
Refletindo mais, reconciliei-me com sua mensagem.
Quando ando por aí, muitos
me dizem que minha luta é de
Davi contra Golias. Então vamos conversar sobre passagens bíblicas, que conhecemos bem. Elas se completam e
iluminam o que quero dizer.
Quando Saul terminava seu
reinado, Deus mandou o sacerdote e profeta Samuel ungir novo rei entre os muitos filhos de Jessé. O profeta procurou entre os mais belos, os
mais fortes e os mais habilidosos, mas Deus descartou todos. Jessé lembrou então de
Davi, o seu filho mais novo,
que pastoreava ovelhas. O
profeta o achou muito fraquinho, meio esquisito. Mas Deus
ordenou que o ungisse rei dos
israelitas, porque olhava para
o seu coração, e não para a sua
aparência.
Foi assim que Davi foi escolhido para ser rei. E logo provou seu valor ao enfrentar Golias, o gigante filisteu, guerreiro acostumado a usar escudo,
capacete e armadura e a manejar a espada. O jovem Davi,
aparentemente fraco e sem
muito preparo para aquele tipo de duelo, ganhou a luta
porque não tentou usar a armadura de Saul, que lhe fora
ofertada e nem lhe cabia direito. Usou sua própria arma, a
funda, e ali colocou a pedra
para jogá-la no lugar certo, na
testa do gigante.
Assim como o senhor, dom
Moacyr, Samuel era homem
corajoso, temente a Deus, preparado para o sacerdócio desde um ano de idade. O senhor
é muito importante na minha
vida, da mesma forma que Samuel foi na vida de Davi. E está
me vendo com olhos cuidadosos, preocupados com circunstâncias que talvez me
causem sofrimento.
Mas, como sabe por experiência própria, não podemos
ficar presos às circunstâncias.
Quando o senhor chegou ao
Acre, aos 36, enfrentou os poderosos e ficou do lado de Chico Mendes e de todos os que
eram aparentemente fracos e
despreparados para enfrentar
os gigantes das motosserras.
Como me ensinou, não me
intimido com as circunstâncias e procuro me encontrar
com o que está no coração de
homens e mulheres sinceros,
que, como o senhor, buscam
fazer o melhor, apesar das dificuldades e riscos.
Aprendi com o senhor boa
parte dos valores que me
guiam, entre eles não vergar a
coluna às pressões dos interesses espúrios.
Por favor, meu amado irmão, não me diga agora que
esses valores não servem para
governar o Brasil e me fragilizam. Tranquilize-se: eles são e
continuarão sendo a minha
força e a minha funda diante
dos desafios, qualquer que seja o tamanho deles.
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras
nesta coluna.
contatomarinasilva@uol.com.br
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