São Paulo, sábado, 24 de junho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil deve permitir e regulamentar o funcionamento das casas de bingo?

NÃO

Por que evitar um mal maior

MAGNO MALTA

O FECHAMENTO DAS casas de bingos, a proibição das máquinas eletrônicas e dos "caça-níqueis" e o fim dos videobingos são ações necessárias. Investigações do Ministério Público mostram que a maioria dos bingos no Brasil e em todo o mundo traz a marca administrativa de máfias internacionais, como a espanhola e a italiana. Por mais que se defenda a fiscalização dessa atividade, estamos lidando com o crime internacional e, tradicionalmente, somos impotentes diante de ações criminosas dessa qualidade. Não podemos abrir um flanco para que esses malfeitores se instalem no país. A exploração de casas de jogos de azar deixou de ser contravenção para ser crime, previsto no Código Penal, como figura típica no rol dos crimes antecedentes de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98). Tivemos um lapso de legalidade, entre 1993, com a aprovação da Lei Zico, e 2001, quando passou a valer a Lei Maguito, que revogou os artigos que permitiam a atividade. Essa medida, no entanto, deu brecha para que algumas casas reivindicassem na Justiça o direito de funcionamento e liminares foram concedidas. Essa situação "sui generis" faz com que hoje tenhamos bingos funcionando sem fiscalização. Se não bastasse o argumento do uso do bingo como fachada para lavagem de dinheiro, por meio do pagamento fictício de prêmios ou mascarados em investimentos nos próprios estabelecimentos, podemos elencar outros crimes, como contra a ordem tributária, na arrecadação da venda de cartelas, nas máquinas de videobingo ou na tributação do valor do prêmio pago. Os casos de contrabando, com a importação de máquinas de forma irregular, também são comuns. São relatados ainda casos de apropriação indébita previdenciária, quando os bingos contratam empregados sem registro, driblando tanto a Previdência como a Receita. Na mesma linha, foram constatados crimes contra a organização do trabalho e de permanência irregular de estrangeiros. O discurso de que o bingo é bom para o Brasil cai por terra quando confrontado com as mazelas advindas. Nosso país tem vocação para o turismo, para os esportes, mas nunca para a jogatina. De que adianta arrecadar tributos às custas de permissividade, evasão de divisas, exploração do trabalho, lavagem de dinheiro das drogas, armas, corrupção, sonegação e mais uma série de ilícitos? Um risco alto para que façamos experiências. Outro resultado negativo é o aumento de jogadores compulsivos. Pesquisas revelam que esses índices foram acentuados no período de "legalidade" e essas pessoas se mostraram propensas a condutas irresponsáveis, comprometendo, para financiar o vício, o patrimônio pessoal e o de familiares. Trabalho há mais de 20 anos na recuperação de dependentes químicos e psicológicos e posso afirmar que um viciado em jogo leva a família à completa tragédia. Não me parece sensato, diante do que foi exposto, que ainda venhamos discutir a legalização das casas de bingo. Nessa defesa, não me sinto solitário. O DataSenado realizou estudo, em maio, para colher informações da sociedade brasileira sobre o jogo. O resultado mostrou que 85% dos entrevistados nunca freqüentaram e não têm intenção de freqüentar bingos. Quase a metade das pessoas é contra a legalização das casas, existindo ainda 30% que se diz indiferente. A percepção dos brasileiros em relação à atividade é bastante clara: o cidadão relaciona as casas de bingos ao crime. Para 35%, elas incentivam o vício. Para 51%, os bingos estão relacionados à lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e aumento da violência. Para 43%, esses locais não têm nenhuma característica positiva. Para concluir, não podemos trabalhar com a hipótese de legalizar um crime, e o jogo de azar é crime. Se passarmos por cima daquilo que é lei, muito em breve teremos de conviver com um grupo que queira legalizar a pedofilia, por exemplo. E não poderemos usar o argumento do bom senso, porque esse ficará insustentável, diante do cenário que se avizinha.


MAGNO MALTA (PL-ES) é senador da República.


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