São Paulo, terça-feira, 24 de junho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A lei antiimigração e a segurança global

ANDRÉ LUÍS WOLOSZYN


A lei antiimigração é apenas uma das múltiplas facetas do legado da insegurança global que se espalha rapidamente pelo mundo

AS NOVAS ameaças e desafios globais descritos na agenda internacional começaram a demonstrar seus efeitos e suas conseqüências no que se refere à redução dos direitos fundamentais e liberdades individuais. As iminentes crises que ameaçam a segurança do planeta, como o terrorismo internacional e a proliferação de gangues transnacionais, bem como o medo da proliferação de armas de destruição em massa, têm levado as nações a recrudescer suas legislações contra estrangeiros visitantes e comunidades de imigrantes.
Embora tais medidas venham recebendo críticas contundentes de especialistas em direitos humanos que alegam o aumento da segregação e o retorno do racismo sob outras formas, 75% da opinião pública em geral apóia o rigorismo.
Esse fenômeno iniciou-se a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. Após os atentados de 11 de março, na Espanha, as medidas recrudesceram, obtendo maior abrangência quando países-membros da ONU e da Comunidade Européia tornaram mais rígidas as normas para a imigração e para o controle de acesso de estrangeiros, residentes e turistas.
A partir daí, os constrangimentos e as hostilidades têm se multiplicado, chegando à violência física e à ocorrência de mortes. Recentemente, na África do Sul, irromperam graves conflitos de ódio racial contra imigrantes ilegais (estimativas apontam para 5 milhões, grande parte dos quais provenientes do Zimbábue e de Moçambique), os quais, na ótica de segmentos sociais do país, prejudicam os nativos, aumentando a taxa de desemprego.
Na União Européia, os 27 países-membros aprovaram recentemente em consenso a chamada Diretriz de Retorno, uma legislação que disciplina a expulsão sumária de imigrantes ilegais, formas de deportação e de banimento -inclusive de crianças-, além da dispensa da necessidade do fornecimento de assistência judiciária gratuita.
Mais especificadamente na Itália, o Parlamento considerou a imigração ilegal crime com pena de até 18 meses de prisão. Na Espanha, o governo aventa a possibilidade de pagamento para o imigrante deixar o país.
Nos Estados Unidos, a tendência é de mudança das regras para visto de entrada, tornando-se mais rígidas mesmo para quem intenciona somente o turismo. Na Inglaterra, houve muitas discussões sobre o projeto que recomendava a não-utilização do véu em escolas públicas e particulares por parte de muçulmanas.
Os objetivos de todas essas medidas, segundo as autoridades governamentais dos países citados, é o de proporcionar maior segurança a seus cidadãos, preservação da cultura e da economia, redução da possibilidade da ocorrência de atentados terroristas, bem como da expansão de redes clandestinas do crime organizado e de gangues formadas por estrangeiros -argumentos irrefutáveis. Na América Latina, a nova lei antiimigração terá repercussões notadamente no Brasil, pois ocupamos a quarta colocação em imigração clandestina para países da União Européia e, em 2007, cerca de 10 mil brasileiros foram impedidos de entrar em países desse bloco.
Aqui, infelizmente, não existem estatísticas oficiais, mas se estima em 3 milhões o número de imigrantes brasileiros (organizações internacionais creditam o dobro desse número) divididos principalmente em países como Itália, Espanha, Portugal, França, Estados Unidos e Canadá. Cerca de 1,6 milhão deles se encontram em situação irregular, ou seja, estão ilegais, o que significa que estão desprovidos de direitos e garantias e à mercê da exploração e do recrutamento para a criminalidade.
A questão se torna mais preocupante quando o cenário mundial aponta para uma aceleração global nas taxas de imigração, principalmente ilegais. Segundo relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados divulgado recentemente, o ano de 2007 atingiu a maior taxa da história. Dos 67 milhões de pessoas que imigraram para outros países, 26 milhões o fizeram por motivos de segurança, de conflitos internos em seus países de origem.
A lei antiimigração é apenas uma das múltiplas facetas do legado da insegurança global que se espalha rapidamente em um mundo globalizado e que tende a multiplicar seus efeitos.


ANDRÉ LUÍS WOLOSZYN , 43, analista de inteligência estratégica pela Escola Superior de Guerra, especialista em terrorismo pelo Colégio Interamericano de Defesa (EUA) e em ciências penais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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