São Paulo, quarta-feira, 24 de junho de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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USP: um problema de representação

CAIO DANTAS


Tal problema não se dá só no nível dos sindicatos. Na USP, é patente também a falta de real representatividade nas instâncias competentes

EM RAZÃO dos acontecimentos recentes, muito se tem falado sobre a falta de representatividade dos sindicatos de docentes e funcionários da USP, bem como das associações discentes.
De fato, a USP tem um sindicato de professores e outro de funcionários que já tiveram grande representatividade, mas que hoje em dia não conseguem atrair um número significativo de filiados -ou, ao menos, de filiados que se importem em participar das instâncias de discussão.
Tal problema não se coloca, contudo, apenas no nível dos sindicatos. É patente também a falta de real representatividade nas instâncias competentes da universidade, nomeadamente o Conselho Universitário.
O Conselho Universitário, tal como se acha hoje, é de 1988 (quando a USP passou por um amplo processo de estatuinte). Contudo, a USP de hoje não é a USP de outrora. Nos últimos anos, foram criadas várias unidades novas, tanto na capital quanto no interior. Uma vez que cada unidade possui dois representantes no conselho, a despeito de seu tamanho -leia-se: a despeito do número de professores e de alunos-, é evidente que as unidades não estão representadas de maneira equitativa. Nessa mesma linha de raciocínio, há que destacar a crescente falta de representatividade do processo para a eleição do reitor.
Essa eleição tem dois turnos. No primeiro, o colégio eleitoral é formado pelo Conselho Universitário, pelos conselhos centrais (de graduação, pós-graduação, pesquisa e cultura e extensão) e pelas congregações das unidades, somando mais de mil eleitores. O primeiro turno tem a única finalidade de selecionar para o segundo os oito candidatos mais votados.
Do colégio eleitoral do segundo turno não participam as congregações, restando somente o Conselho Universitário e os conselhos centrais.
No segundo turno, todas as unidades, independentemente de seu tamanho, passam a ter igual representação, ou seja, seis membros: dois no Conselho Universitário (diretor e um representante da congregação) e um representante em cada um dos conselhos centrais. A lista tríplice a ser encaminhada ao governador, a quem cabe a escolha do reitor, é determinada por esse colégio entre os oito candidatos mais votados no primeiro turno.
Uma vez que cada unidade possui seis representantes no colégio eleitoral do segundo turno, grandes unidades como a Escola Politécnica, com cerca de 470 professores, ou a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, com aproximadamente 450 professores, têm peso igual, na escolha do reitor, ao de unidades com 39 ou mesmo 35 professores.
Note-se que não é somente na escolha do reitor que essa anomalia ocorre, pois a composição do Conselho Universitário sofre do mesmo vício: cada unidade, independentemente do seu tamanho, tem sempre dois representantes. Dessa maneira, as decisões do conselho não refletem a real composição da universidade.
Toda essa situação -de não representação nas entidades sindicais e nas instâncias da USP- provocou o fracionamento interno da universidade.
Tal fracionamento tem sido constantemente agravado pelo sistema de avaliação das universidades brasileiras, que incentiva essencialmente a produção individualizada (quantidade de artigos, de orientações etc.).
Se muito se reclama da legítima falta de representatividade de sindicatos, como Adusp e Sintusp, o mesmo deveria ser dito de docentes que, preocupados apenas com indicadores de produtividade, se alienaram do papel social da universidade e de sua função crítica dentro da academia.
É necessário -sem esquecer a importância acadêmica da USP no cenário brasileiro e internacional (em que se destaca como uma das cem mais importantes do mundo, "pari passu" com instituições norte-americanas e europeias, grande parte delas públicas ou com significativo financiamento público)- propor alterações substantivas no seu sistema de representação, cujas falhas, agravadas nos últimos anos, estão na essência da atual crise da Universidade de São Paulo.
A reforma de dois artigos do estatuto, com imediata efetivação, poderia corrigir parte do problema.
Primeiro, a eleição para reitor deveria ser reduzida para um só turno -entenda-se: o atual primeiro turno-, o que corrigiria o problema da subrepresentação das maiores unidades da universidade (vigente no atual modelo de escolha).
Em segundo lugar, tal como já propus anos atrás quando membro do Conselho Universitário, a eleição para diretor de unidade deveria ser definida pelo colégio eleitoral da própria unidade, e não por lista tríplice para escolha do reitor.


CARLOS ALBERTO DANTAS, 73, é professor titular aposentado do Instituto de Matemática e Estatística da USP. Foi pró-reitor de graduação da universidade (1994 a 1997).


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