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Quando falam as baionetas
OTAVIO FRIAS FILHO
"Pedras, paus e coquetéis Molotov
são argumentos tão pouco válidos
quanto as baionetas. Só que menos
poderosos". Alguém ainda se lembra
dessa frase de pé quebrado? Faz dois
meses que o presidente da República a
pronunciou, com ares de ameaça velada, em discurso considerado enérgico e que hoje vemos o quanto era ironicamente profético.
Uma onda de invasões contra propriedades ociosas, o que chegou a incluir a mesa de um ministro, compelira FHC ao pronunciamento. O presidente decretou um "basta" ao clima
de baderna então reinante no país,
embora parte da irritação se endereçasse à imprensa, repleta de evidências de que a reeleição fora comprada.
Dois meses depois, "paus, pedras e
coquetéis Molotov" estão se associando a "baionetas" para sitiar a sede de
governos impotentes. Embora a volta
do feitiço obrigue o feiticeiro presidencial a engolir as próprias palavras,
o mérito todo cabe a um irresponsável
que os mineiros colocaram no governo em vez de internar numa clínica.
O governador Eduardo Azeredo não
percebeu ou não foi informado da
gravidade da situação na polícia. Permitiu que o movimento ganhasse as
ruas, quando já era temerário, se ainda fosse possível, reprimi-lo. Por fim,
decidido a cometer todos os erros disponíveis, premiou a rebelião com os
aumentos que negara.
Não teria atuado de outra forma caso fosse agente a serviço de alguma
potência inimiga. Numa tacada, esse
governador conseguiu realizar o sonho de gerações de guerrilheiros. A
presença do Exército combinada à
ação antecipatória de outros governadores deverá esvaziar a crise, mas pelo
menos uma semente foi plantada.
Quanto à PM, parece evidente que
ela precisa ser liquidada. Primeiro, foi
a comoção nacional deflagrada pelas
filmagens de brutalidade em Diadema. Depois, e como reflexo do episódio na psicologia dos policiais, veio a
desforra da insubordinação armada. É
pouco dizer que essa instituição está
em crise: ela está falida.
Sempre se soube da violência, dos
baixos salários, da falta de equipamento. A obra política do governador
Azeredo poderá levar os governantes
-pelo medo, a única força que os
move- às reformas necessárias a fim
de substituir a PM por uma nova polícia pública, desmilitarizada, com melhor remuneração e adestramento.
Como boa parte do tucanato fez
oposição chique ao regime militar,
existe uma idéia de que reprimir é
feio. Depende: reprimir manifestações
pacíficas é tão criminoso quanto não
reprimir as que ferem direitos, ainda
mais quando armadas. O que facilitou
o fascismo foi a dificuldade da República de Weimar para discernir as
duas coisas.
Outro sinal emitido pela crise é que
o funcionalismo público foi empurrado para um estado de sublevação. Necessária para equilibrar a economia
do governo, a compressão do Estado
mostra seus limites políticos quando a
exclusão dos "de dentro" dá as mãos
à exclusão dos "de fora", atualizando
o velho fantasma da explosão social.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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