São Paulo, quinta, 24 de julho de 1997.



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Quando falam as baionetas

OTAVIO FRIAS FILHO

"Pedras, paus e coquetéis Molotov são argumentos tão pouco válidos quanto as baionetas. Só que menos poderosos". Alguém ainda se lembra dessa frase de pé quebrado? Faz dois meses que o presidente da República a pronunciou, com ares de ameaça velada, em discurso considerado enérgico e que hoje vemos o quanto era ironicamente profético.
Uma onda de invasões contra propriedades ociosas, o que chegou a incluir a mesa de um ministro, compelira FHC ao pronunciamento. O presidente decretou um "basta" ao clima de baderna então reinante no país, embora parte da irritação se endereçasse à imprensa, repleta de evidências de que a reeleição fora comprada.
Dois meses depois, "paus, pedras e coquetéis Molotov" estão se associando a "baionetas" para sitiar a sede de governos impotentes. Embora a volta do feitiço obrigue o feiticeiro presidencial a engolir as próprias palavras, o mérito todo cabe a um irresponsável que os mineiros colocaram no governo em vez de internar numa clínica.
O governador Eduardo Azeredo não percebeu ou não foi informado da gravidade da situação na polícia. Permitiu que o movimento ganhasse as ruas, quando já era temerário, se ainda fosse possível, reprimi-lo. Por fim, decidido a cometer todos os erros disponíveis, premiou a rebelião com os aumentos que negara.
Não teria atuado de outra forma caso fosse agente a serviço de alguma potência inimiga. Numa tacada, esse governador conseguiu realizar o sonho de gerações de guerrilheiros. A presença do Exército combinada à ação antecipatória de outros governadores deverá esvaziar a crise, mas pelo menos uma semente foi plantada.
Quanto à PM, parece evidente que ela precisa ser liquidada. Primeiro, foi a comoção nacional deflagrada pelas filmagens de brutalidade em Diadema. Depois, e como reflexo do episódio na psicologia dos policiais, veio a desforra da insubordinação armada. É pouco dizer que essa instituição está em crise: ela está falida.
Sempre se soube da violência, dos baixos salários, da falta de equipamento. A obra política do governador Azeredo poderá levar os governantes -pelo medo, a única força que os move- às reformas necessárias a fim de substituir a PM por uma nova polícia pública, desmilitarizada, com melhor remuneração e adestramento.
Como boa parte do tucanato fez oposição chique ao regime militar, existe uma idéia de que reprimir é feio. Depende: reprimir manifestações pacíficas é tão criminoso quanto não reprimir as que ferem direitos, ainda mais quando armadas. O que facilitou o fascismo foi a dificuldade da República de Weimar para discernir as duas coisas.
Outro sinal emitido pela crise é que o funcionalismo público foi empurrado para um estado de sublevação. Necessária para equilibrar a economia do governo, a compressão do Estado mostra seus limites políticos quando a exclusão dos "de dentro" dá as mãos à exclusão dos "de fora", atualizando o velho fantasma da explosão social.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.




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