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OTAVIO FRIAS FILHO
Cultura bandida
O domínio da violência -endêmico nas grandes cidades, crescente nas de porte médio- anda onipresente também na arte e nos espetáculos. Da música dos "rappers" a filmes como "Carandiru" ou "Cidade de
Deus", da "nova" literatura marginal
ao dia-a-dia da TV, a criminalidade
violenta é cada vez mais o modelo narrativo, o padrão estético e até o rumo
moral.
Nada mais lógico, pois a cultura reflete num plano imaginário as vivências que consomem a vida real. E nada
mais antigo. Foram os românticos
quem inventou certa figura do fora-da-lei como herói existencial, fixando
um paradigma que se renova e repete
desde então na literatura de engajamento social, no cinema "noir", no romance policial americano.
O que mudou é que todo esse tratamento, mesmo quando embaralhava
as posições de "mocinho" e "bandido", nunca deixava de manter rígida a
distinção habitual entre bem e mal. A
nova cultura delinquencial também a
respeita, mas inverte os termos da
equação para colocar a ordem e a própria moralidade vigentes no banco
dos réus. Assim como as chamadas
ocupações de terras, essa cultura invade a linguagem dos adolescentes, os
padrões da moda, o cotidiano da classe média sem causar alarme ou escândalo. Não se trata de protestar, mas de
tentar entender os mecanismos pelos
quais tudo aquilo que nossa sociedade
diz abominar é glamourizado no plano da representação simbólica.
Se a arte penitenciária, na qual o presídio aparece como ateliê social de
uma estética da violência, ocupa lugar
proeminente em todo o mundo ocidental, ela encontrou terreno fértil no
ambiente brasileiro, todo ele formado
no desrespeito à lei e na valorização da
figura ambivalente do malandro, nem
senhor nem escravo, vivendo de golpes e expedientes.
Na formação dessa mentalidade
atual, acrescente-se o efeito combinado da doutrinação sociológica com o
catolicismo renitente, a primeira mostrando que os criminosos são apenas
vítimas de estruturas sociais injustas,
o segundo garantindo que o sentimento de culpa seja a compensação
lamentosa para a violência efetivamente exercida contra os miseráveis.
Se o miserável faz jus a todos os direitos (que lhe são negados na vida
real), o herói-bandido dos filmes e da
música de periferia se legitima como
aquele protagonista do conto de Rubem Fonseca que decidiu resgatar a
dívida pelas próprias mãos. Não é difícil entender o porquê de a cultura
marginal exercer seu fascínio sobretudo entre os jovens.
Uma revolução hormonal está sempre em curso ali, mas também a pressa
de se fazerem adultos, de ingressar
com tudo no consumo patológico do
shopping center, de ter seus desejos
atendidos já -tudo isso os aproxima
do assaltante edulcorado dos filmes.
Com a diferença de que o bandido, sabendo que vai morrer logo, superou
por isso mesmo o medo da morte.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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