São Paulo, terça-feira, 24 de julho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Congonhas, crise e tecnologia

ADYR DA SILVA


Na tecnologia, a lacuna beira o absurdo. A crise atual é fruto de anos de reduzidos investimentos e de desatualização tecnológica


O GOVERNO está deixando escapar pelo ralo, por inabilidade e politização indevida, o grande êxito social representado pela democratização do transporte aéreo. O sucesso some engolfado por prolongada crise setorial, nem sequer bem diagnosticada e omitida até então, mas revelada pela mídia a partir de 2006.
O pior dos aspectos é o deslocamento do foco da grave e continuada crise global para, pontualmente, direcionar as atenções para tragédias e repetidos acidentes de menor porte na aviação regular ou insucessos como os periódicos apagões do controle de tráfego aéreo. Os sinistros de grandes proporções chocam a opinião pública, atraindo as atenções por certo tempo.
Objetos de medidas pontuais e emotivas, pouco a pouco são esquecidos e levam ao acomodamento oficial diante da crise continuada.
A quantidade de vítimas fora do perímetro patrimonial do aeroporto leva de novo à reflexão sobre a ocupação do solo nas áreas de segurança aeroportuária, feita de forma indisciplinada e agressiva, mas protegida pela incúria das autoridades municipais. O problema é nacional e atinge numerosos aeroportos.
As tentativas de antecipar as causas para o ocorrido revelam falhas em diversos setores da aviação civil que não são restritos a Congonhas, não são novos e fazem parte de um conjunto de sintomas bem conhecidos pelos profissionais do setor. O título deste artigo poderia ser "A tragédia anunciada", tal o número de precariedades na aviação civil para as quais o exigido remédio estrutural não é propiciado por falta de diagnóstico técnico transparente e de vontade política de reconstrução da deteriorada estrutura. Eis o resumo.
A mencionada falta de respeito às zonas de segurança aeroportuária faz-se visível pela ocupação ilegal do solo em áreas vizinhas aos aeroportos. Entretanto, os mais graves problemas são de natureza institucional e defasagem tecnológica.
O viés institucional se caracteriza pela distribuição de poderes e atribuições por órgãos nem sempre articulados e sem orientação e coordenação de alto nível, numa verdadeira sopa de siglas: Decea, Anac, Conac, Depac/MD, Infraero, Cenipa, Cemal etc.
Quando entendeu imprimir mando político organizado, o governo soube criar a Secretaria de Portos em ambiente muito menos complexo e sensível que o da aviação. A dispersão de esforços se reflete nos minguados orçamentos e captações de recursos e investimentos em infra-estrutura, em descompasso flagrante com as taxas de crescimento anual de dois dígitos do transporte aéreo.
No capítulo tecnologia, a lacuna beira o absurdo. Fazer das tripas coração parece ser a mola do funcionamento pela carência ou obsolescência de equipamentos. Os apagões resultam, além da falta de controladores, de insuficiência de equipamentos ou de sua redundância, de telemática ultrapassada, reduzido treinamento e pouco ou nenhum uso dos meios de comunicação e navegação por satélite, deficiências flagrantes.
O Brasil foi sede e promoveu, em 1998, uma conferência internacional para uso aeronáutico de satélites, o sistema CNS/ATM, para implantação até 2010. Faltando três dos 12 anos previstos, quase nada foi feito.
As imediações dos aeroportos são poluídas por rádios clandestinas e transmissores descalibrados, afetando a faixa de uso aeronáutico.
Os aeroportos receberam melhoramentos e novos terminais com muito concreto, granito e equipamentos eletromecânicos. Tecnologia da automação aeroportuária, segurança e controle de fadiga de pistas sobrecarregadas por 50 anos de uso são algumas das lacunas que engrossam o quadro de falência tecnológica.
O usuário, vitimado pela falta de informações de vôo, exalta-se em protestos, muitas vezes ultrapassando indevidamente as raias da civilidade.
O desgaste atual, fruto de anos de reduzidos investimentos e de desatualização tecnológica, atinge os usuários no país e no exterior. Voar ainda se encontra dentro dos limites da segurança, mas em delicada situação para sustentar-se como tal.
Reorganizar os meios e as instituições, dotá-los de ordenamento jurídico atual, excluindo o anacronismo legal existente que confunde o Judiciário, aportar novas tecnologias e recursos de investimento compatíveis com as demandas, treinar pessoal e aperfeiçoar gerenciamento são responsabilidade inalienável e imediata do governo para salvar o setor do caos generalizado de que Congonhas é só um capítulo -talvez não dos mais graves em termos de carências e dificuldades, sobretudo tecnológicas.

ADYR DA SILVA , 71, é presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial e do Instituto do Transporte Aéreo do Brasil, chefe permanente do Brasil na Organização da Aviação Civil Internacional e professor da UnB (Universidade de Brasília). Foi presidente da Infraero (1995-98), diretor-geral do Centro Tecnológico Aeroespacial (1991-92) e diretor do extinto Departamento de Aviação Civil (1987-91).

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