São Paulo, sábado, 24 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sairão da Rio+10 propostas concretas?

NÃO

Em jogo o futuro do planeta

MARCELO FURTADO

Recentes relatórios de agências da ONU e de outros grupos apontam cenários catastróficos de aumento da desigualdade entre países como resultado de um processo de globalização econômica injusto e sem regulamentação.
Fome, falta de água, falta de acesso à energia, nuvens de poluição cobrindo um continente inteiro, seca de um lado e enchentes de outro. A escala e a velocidade da deterioração ambiental têm sérios impactos sociais e não temos tempo a perder. Os governos presentes na Rio+10 terão muita dificuldade para justificar à opinião pública sua incapacidade de reverter essa realidade. Mas a resposta poderá ser até simples: faltou vontade política e recursos. Portanto talvez esteja chegando a hora de procurar outro planeta para viver, pois a Terra está com seu futuro comprometido.
Durante todo o processo de negociação, os governos têm demonstrado uma extraordinária relutância em lidar de maneira séria com o tema "pobreza e meio ambiente" no âmbito global. Alguns países estão, inclusive, tentando reverter conquistas obtidas na Rio 92, como o princípio da responsabilidade comum mas diferenciada, que afirma que todos têm que mudar suas práticas insustentáveis, mas os países ricos, que causaram maiores danos ao meio ambiente nas últimas décadas, devem mudar mas rápido e financiar o processo global para mudar esse cenário.
O princípio da precaução, que visa prevenir ações que ameacem a saúde e o meio ambiente, também tem sido deixado de lado. E, principalmente, alguns países estão se eximindo de disponibilizar recursos para que os países em desenvolvimento possam lidar com seus problemas ambientais e sociais, como acordado no Rio. Uma minoria de países ricos está fazendo do resto do mundo seus reféns. É preciso que a maioria demonstre coragem e compromisso com o desenvolvimento sustentável.
Um bom exemplo é o debate sobre "energia limpa para todos". Energia é uma necessidade central para a atividade humana. O acesso à energia limpa é um pré-requisito para o desenvolvimento e para a redução da pobreza, e beneficia a saúde, a educação e a justiça. Portanto, seja pela questão econômica, social ou ambiental, a sustentabilidade só poderá ser atingida através de fontes renováveis de energia.
A questão da responsabilidade corporativa, um assunto atual e imprescindível para o desenvolvimento sustentável, também corre o risco de ser tratada levianamente na Rio+10. Áreas contaminadas, como em Santo André, São Paulo e Paulínia, demonstram a necessidade de maior responsabilidade, controle e acompanhamento da atividade corporativa.
Um instrumento internacional de responsabilidade corporativa deve incorporar compensação e restituição de danos, direito à informação, respeito aos direitos humanos das comunidades e dos trabalhadores, entre outros. A resistência das empresas e governos a tal instrumento contribuirá apenas para o aumento da desconfiança do público em relação ao controle corporativo sobre os governos e a seriedade das empresas em suas iniciativas sociais e ambientais.
O Brasil e outros países comprometidos com o sucesso da reunião de Johannesburgo têm uma difícil tarefa a ser cumprida: criar um ambiente favorável para novas negociações. A questão que fica é se os próximos 11 dias serão suficientes para resolver questões complexas como novas fontes de recursos, subsídios, relação dos acordos globais ambientais e sociais e as normas da OMC (Organização Mundial de Comércio).
Na verdade, a reunião de Johannesburgo poderá se tornar mais uma continuação da reunião da OMC em Doha, no ano passado, do que um seguimento da Rio 92. Em casa, o governo brasileiro deve ratificar os compromissos internacionais assumidos nas convenções de biodiversidade, biossegurança, poluentes tóxicos e outras.
A cúpula da Terra, em sua versão 2002, terá de responder não só ao desafio da proteção ambiental, como também à necessidade de reduzir a pobreza para garantir um futuro sustentável. A expectativa para a Rio+10 não se limita à discussão de implementação da Agenda 21, acordada na Eco 92, com metas, datas, recursos financeiros bem definidos para proteção das florestas, rios, mares e conservação da qualidade do ar, solo e alimento, entre outros. Mas se deve, especialmente, à possibilidade de mostrar como os governos vão assegurar à sociedade um futuro sustentável.
Quem sabe o fato de os holofotes da mídia global estarem voltados para essa reunião faça com que os chefes de Estado nela presentes cumpram seus compromissos com milhares de pessoas que estão sofrendo, neste momento, sem energia limpa, sem água, sem saneamento, pela falta de consideração dos governos por suas vidas e pelo futuro das gerações por vir.


Marcelo Furtado, 38, engenheiro químico, é coordenador da Campanha de Substâncias Tóxicas para a América Latina do Greenpeace e representante da ONG na Rio+10.



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