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CARLOS HEITOR CONY
50 anos
RIO DE JANEIRO - Rádio e TV ligados, não senti a noite passar. A crise
política fervia, dizia-se que o presidente iria renunciar, forçado pelos
militares que o responsabilizavam
por um atentado em que morrera um
major da Aeronáutica. Nas primeiras horas da madrugada, um aparente alívio na tensão. O ministério
divulgara uma nota em que o presidente pediria licença de seu mandato
desde que fossem mantidas a ordem e
as instituições.
As atenções saíram do Catete e foram para Copacabana, onde residia
o vice-presidente Café Filho, que deveria assumir nas primeiras horas da
manhã. Militares, políticos e a imprensa correram para o sol que
ameaçava nascer.
Um repórter radiofônico, dos últimos a deixar o Catete, entrevistou
um mordomo do palácio que vira
Getúlio Vargas já vestido à gaúcha,
fazendo as malas, pronto para voltar
a São Borja.
O natural seria desligar rádio e TV,
tentar dormir algumas horas. Mas os
ânimos estavam inflamados na casa
de Café Filho, o champanha rolava,
políticos e militares ocupavam o microfone, declaravam a nação redimida, a pátria salva, alguns nomes
eram lembrados para o novo ministério que se empossaria à tarde.
Um deputado da UDN falava em
nova era quando um técnico pediu
que o som fosse devolvido ao estúdio.
O deputado continuou falando até
que o som foi cortado. Entrou a voz
de um locutor profissional pedindo
atenção, muita atenção: "O senhor
Getúlio Vargas acaba de suicidar-se
em seu quarto no Palácio do Catete".
O locutor não disse "o presidente Getúlio Vargas". Disse "o senhor Getúlio Vargas".
Eu morava num quarto andar, mas
foi como se sentisse o chão estremecer, não o chão do meu apartamento,
mas o chão do mundo. Para a minha
geração, até aquele momento, gostássemos do ex-ditador ou o detestássemos, Vargas era uma coisa doméstica, pessoal, presente em nosso cotidiano, em nosso amor ou em nossa
ira. Sua morte era um absurdo do tamanho de nosso pasmo.
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