São Paulo, sábado, 24 de setembro de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

A polícia e o ladrão

RIO DE JANEIRO - Muito se tem falado em ética, transparência e, sobretudo, em "sociedade". Decepcionada com a vida pública em seus diversos escalões, é natural que haja choro e ranger de dentes de todos nós. Guardadas as exceções de praxe, tudo parece contaminado pela corrupção e pelo crime.
Há pelo menos dois meses, governo, partido no poder, Câmara dos Deputados, algumas instituições bancárias e previdenciárias, empresas de telefonia etc. estão sendo investigadas como pasto de escândalos.
Eu sempre me pergunto: que sociedade é esta? Uma legião de vestais, de cidadãos incorruptíveis, transparentes, éticos? Tenho minhas dúvidas. Tudo o que está acontecendo revela a "falta de uma âncora moral" -frase de Antônio Callado em sua última entrevista, dois dias antes de morrer. Ele falou em "âncora moral", e não em "âncora ética", que é outra coisa.
Atualmente, não se fala em moral, que caiu em descrédito, os moralistas a corromperam. Prefere-se falar em ética, invoca-se ética, cobra-se ética dos outros. Lembro a definição de Voltaire para a ética: "É aquilo que nós queremos que os outros não façam".
O caso mais espantoso desta semana que acaba foi o roubo do dinheiro guardado na Polícia Federal do Rio. No momento crítico que atravessamos, questiona-se o Executivo, o Legislativo e até mesmo o Judiciário (14 juízes do Trabalho foram afastados por irregularidades aqui no Rio).
A Polícia Federal, no início, no meio ou no fim de cada caso, é o órgão público que legalmente prova ou nega os delitos privados ou públicos. Investiga telefonemas, contas bancárias, documentos comprometedores, envio de dinheiro para o exterior, tráfico de drogas e armas.
Há gente limpa e honesta em seus quadros. Mas a mecânica que ela adota, como instituição, é quase sempre suspeita. Além de outros casos no passado, tivemos agora um episódio que, explicado ou não, revela que não sabemos mais quem é polícia e quem é ladrão.


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