|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANTONIO DELFIM NETTO
Fiducia
OS EQUILÍBRIOS na economia podem ser instáveis e
diferem dos que ocorrem no
mundo químico, por exemplo, no
qual duas moléculas de hidrogênio
adequadamente combinadas com
uma de oxigênio produzem uma
molécula de água em São Paulo ou
em Londres, no verão ou no inverno. Na economia, as "moléculas"
pensam, escolhem e, no limite, se
suicidam!
Todo o maravilhoso mecanismo
de coordenação que os homens
descobriram e a economia política
aperfeiçoou, que são os "mercados", repousa sobre um ingrediente catalítico invisível: a confiança.
Os homens aprenderam que "confiando" uns nos outros podiam tornar mais eficiente a sua atividade.
A "confiança" repousa na certeza
de um comportamento apoiado em
normas morais reciprocamente
aceitáveis. Já em Adam Smith, na
"Teoria dos Sentimentos Morais"
(1759), o homem trazia no peito o
"espectador imparcial". Quando,
por qualquer motivo, se destrói a
"confiança" entre os participantes
do mercado, desaparece instantaneamente a trama invisível de
coordenação produzida por ela. O
valor relativo dos ativos de cada um
(que só existe porque ele reconhece o valor relativo dos outros) desaparece. Conseqüentemente, deixam de funcionar os mercados e
estiola-se a atividade econômica.
Foi isso o que aconteceu com a
crise que se convencionou chamar
"dos subprimes". Ela revelou ser
apenas a ponta de um enorme iceberg construído em um mercado
financeiro sem moralidade ínsita e
estimulado por incentivos perversos. No fundo, a confiança do
"principal" (o poupador) foi traída
pelo seu "agente" (o sistema financeiro), que lhe garantia ter "modelos" científicos para estimar retornos e riscos na aplicação de suas
poupanças. Usando uma complicada alquimia e expedientes contábeis (e explorando, também, a cupidez do aplicador), construiu-se,
sob os olhos fechados e o nariz insensível dos bancos centrais, uma
pirâmide de papel que se queimaria ao menor sintoma da falta de
confiança. Não houve nem o controle da moralidade implícita no
"espectador imparcial" nem a
explícita imposta pelos bancos
centrais.
Restabelecer a confiança e construir as condições para a reprecificação dos ativos -como se propõe
na medida heróica do Tesouro
Americano- é condição necessária
(mas não suficiente) para reiniciar
a volta à normalidade. Terá um
custo gigantesco, mas certamente
muito menor (em termos de PIB,
emprego e bem-estar) do que permitir que a crise siga o seu caminho
e destrua a economia real.
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às
quartas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Erros contra ou a favor Próximo Texto: Frases
Índice
|