São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 2008

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ANTONIO DELFIM NETTO

Fiducia

OS EQUILÍBRIOS na economia podem ser instáveis e diferem dos que ocorrem no mundo químico, por exemplo, no qual duas moléculas de hidrogênio adequadamente combinadas com uma de oxigênio produzem uma molécula de água em São Paulo ou em Londres, no verão ou no inverno. Na economia, as "moléculas" pensam, escolhem e, no limite, se suicidam!
Todo o maravilhoso mecanismo de coordenação que os homens descobriram e a economia política aperfeiçoou, que são os "mercados", repousa sobre um ingrediente catalítico invisível: a confiança. Os homens aprenderam que "confiando" uns nos outros podiam tornar mais eficiente a sua atividade.
A "confiança" repousa na certeza de um comportamento apoiado em normas morais reciprocamente aceitáveis. Já em Adam Smith, na "Teoria dos Sentimentos Morais" (1759), o homem trazia no peito o "espectador imparcial". Quando, por qualquer motivo, se destrói a "confiança" entre os participantes do mercado, desaparece instantaneamente a trama invisível de coordenação produzida por ela. O valor relativo dos ativos de cada um (que só existe porque ele reconhece o valor relativo dos outros) desaparece. Conseqüentemente, deixam de funcionar os mercados e estiola-se a atividade econômica.
Foi isso o que aconteceu com a crise que se convencionou chamar "dos subprimes". Ela revelou ser apenas a ponta de um enorme iceberg construído em um mercado financeiro sem moralidade ínsita e estimulado por incentivos perversos. No fundo, a confiança do "principal" (o poupador) foi traída pelo seu "agente" (o sistema financeiro), que lhe garantia ter "modelos" científicos para estimar retornos e riscos na aplicação de suas poupanças. Usando uma complicada alquimia e expedientes contábeis (e explorando, também, a cupidez do aplicador), construiu-se, sob os olhos fechados e o nariz insensível dos bancos centrais, uma pirâmide de papel que se queimaria ao menor sintoma da falta de confiança. Não houve nem o controle da moralidade implícita no "espectador imparcial" nem a explícita imposta pelos bancos centrais.
Restabelecer a confiança e construir as condições para a reprecificação dos ativos -como se propõe na medida heróica do Tesouro Americano- é condição necessária (mas não suficiente) para reiniciar a volta à normalidade. Terá um custo gigantesco, mas certamente muito menor (em termos de PIB, emprego e bem-estar) do que permitir que a crise siga o seu caminho e destrua a economia real.

contatodelfimnetto@uol.com.br


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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