São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2005

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JOÃO SAYAD

Algazarra

Amigos do exterior dizem que não é hora de voltar ao Brasil. Os assuntos são repetitivos, o sentimento é de frustração e os brasileiros estão envergonhados.
Em economia, os juros caem. As previsões mais otimistas imaginam que a taxa de juros em julho de 2006 será 14% ou seja 10% acima da inflação. Continuaremos gastando 5% do PIB, R$ 70 bilhões por ano com juros.
Uns repetem a história de que o Banco Central não tem poder de fixar os juros, que são determinados pelo mercado. Apesar das reuniões na segunda ou terceira quarta-feira de cada mês. O governo diz que não podem cair por causa das eleições presidenciais. O país continua sem estradas, metrôs ou obras de saneamento. Pessimistas prevêem crescimento de 3,5%. Otimistas apostam em 4%. Governo e oposição concordam com o equívoco que anula a possibilidade de mudar os destinos do país miserável.
A crise da corrupção transformou-se em algazarra incompreensível. Não se discutiu que controles falharam, nem o que deve ser feito para evitar a repetição. O resultado final é uma coleção de tragédias pessoais, fotos de gente deprimida, barba por fazer, uma exibição de injustiças praticadas em nome da justiça.
Não se sabe as razões do referendo de ontem. Qual o objetivo da proibição da produção e comercialização de armas? O impacto sobre o porte de armas, principalmente dos bandidos, deve ser nulo . Qual o impacto sobre a produção de armas no Brasil? Parece um engano, praticado em nome da democracia participativa e do direito de opinar.
A algazarra não é só brasileira. É global. No mundo, há consenso sobre a urgência do combate à fome, à pobreza e à desigualdade. Muitos propõem o aperfeiçoamento das medidas que levaram à situação atual. Os críticos propõem volta impossível ao passado.
O mundo vive momentos de liberdade total de expressão. O telefone celular, a internet, os e-mails criaram uma possibilidade infinita de conversar, discutir e trocar idéias. Falamos muito sobre muito pouco.
Depois de tanta conversa, não chegamos ao silêncio confortável que existe entre velhos amigos nem ao silêncio magoado dos casais que se acusam mutuamente pela própria infelicidade. Há uma concordância ruidosa não se sabe exatamente sobre o quê.
No meio do vozerio humano, apenas a velha natureza produz novos sons: os trovões e o vento dos furacões, o ronco amedrontador dos terremotos. No Brasil, a Amazônia vive uma seca! Primeira vez? Grave? Não se encontram análises sobre o que está acontecendo.
No Brasil de antigamente, os domingos eram dias de almoço de família com avós, tios e tias, primos e primas. Depois de comer, os adultos sentavam-se na sala para conversar enquanto as crianças iam brincar no jardim. Logo as mulheres dominavam a conversa sobre coisas sem importância. Os homens, embalados pelas vozes familiares que ficavam cada vez mais distantes, adormeciam.
Dormir com a música de vozes queridas e com a consciência de que se está dormindo é um raro prazer. Hoje, o barulho da discussão não deixa ninguém dormir. E não há motivos para prestar atenção ou ficar acordado.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
@ - jsayad@attglobal.net


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